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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2016 Harlequin Books S.A.

© 2018 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Dor e prazer, n.º 79 - julho 2018

Título original: A Di Sione for the Greek’s Pleasure

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

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As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-9188-811-6

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

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Capítulo 1

 

 

 

 

 

– Quero que me faças um favor.

Natalia di Sione sorriu para o avô enquanto lhe punha a manta por baixo das pernas e se sentava à frente dele. Embora fosse um dia quente de junho, Giovanni di Sione tinha alguns calafrios por causa do vento que chegava do estuário de Long Island.

– Tudo, nonno – disse Natalia, chamando-o pelo nome que usara desde que era uma criança.

Giovanni esboçou um sorriso malicioso e abanou a cabeça.

– Aceitaste muito depressa, Talia, e não sabes o que vou pedir-te.

– Sabes que faria tudo por ti.

Giovanni criara Talia e os irmãos depois de os pais terem morrido num acidente de carro quando ela, a mais nova dos sete irmãos, era pouco mais do que um bebé. Fora o pai, a mãe e o avô e como ela vivera na propriedade e residência dos Di Sione durante os últimos sete anos, também fora o mais parecido com um confidente e um amigo íntimo. Sabia que alguns dos irmãos mais velhos tinham mantido uma certa distância do avô trabalhador e, às vezes, indiferente, mas ela adorava-o desde há sete anos. Acolhera-a quando voltara magoada, física e mentalmente, e fora a sua salvação.

– Tudo, Talia? – perguntou Giovanni. – Até ter de sair da propriedade?

Ela riu-se ligeiramente.

– Nunca me pedirias para fazer algo tão terrível.

Ela fingiu um arrepio, mas a verdade era que a ideia de sair daqueles terrenos bem murados fazia com que o medo a embargasse. Gostava da sua torre de marfim, da segurança de saber que estava protegida por trás das grades, segura. Sabia como era não se sentir segura, sentir-se como se a vida pendesse de um fio, e não queria sentir-se assim outra vez, mesmo que isso significasse viver como uma prisioneira. Saía muito poucas vezes da villa e, normalmente, era para ir visitar algum dos irmãos ou alguma visita privada a uma exposição de arte na zona. Evitava as cidades e até as vilas pequenas e prósperas de Long Island e limitava-se a trajetos curtos de carro com motorista. Quando Giovanni lhe dizia para sair mais, ela respondia sempre que preferia a vida tranquila da casa extensa com prados ondulantes e o resplendor azul do estuário de Long Island ao longe. Porque haveria de querer ir a outro lugar? Giovanni não insistia, mas ela sabia que estava preocupado com o seu isolamento, embora nunca dissesse nada. Via que a preocupação lhe velava muitas vezes os olhos ou fazia com que franzisse as sobrancelhas quando a via a andar de um lado para o outro pela casa.

– Sabes que não tenho muito tempo, Talia.

Ela limitou-se a assentir com a cabeça porque não confiava na sua voz. Há uns meses, tinham-lhe dado um ano de vida. Se se tivesse em conta que tinha noventa e oito anos e já vencera o cancro uma vez, há vinte anos, um ano era muito tempo, mas não era suficiente para ela. Não conseguia imaginar a villa sem Giovanni, sem o seu sorriso amável e as suas palavras prudentes, sem a sua presença constante, embora muitas vezes silenciosa. As divisões amplas e elegantes pareceriam mais vazias do que nunca. Não suportava a ideia e afastou-a da mente.

– Então, o que queres que faça? – perguntou Talia. – Queres que te pinte um retrato?

Durante os cinco anos passados, forjara uma carreira curta, embora possante, como pintora de retratos. Quando fizera vinte e um anos, Giovanni oferecera-lhe um estúdio nos terrenos da residência, um pequeno edifício com uma vista fantástica do estuário. Os clientes iam ao estúdio para posar e ela desfrutava da relação social e do trabalho criativo e tudo isso no ambiente seguro que tanto desejava.

– Um retrato? Quem ia querer ver um velho como eu? Não, querida, gostaria de outra coisa, gostaria que me encontrasses uma coisa.

Ele recostou-se com as mãos nodosas entrelaçadas no colo e observou-a enquanto esperava.

– Que encontre uma coisa?

Ela inclinou-se para a frente com surpresa e curiosidade, mas também com apreensão. Conhecia aquele brilho nos olhos do avô e o seu silêncio enquanto esperava que fosse ela a perguntar.

– Perdeste alguma coisa, nonno?

– Perdi muitas coisas ao longo dos anos – respondeu Giovanni.

Talia percebeu uma certa tristeza na sua voz e viu que o seu rosto adotava uma expressão distante. Esboçou um leve sorriso como se estivesse a recordar algo agradável ou comovente, até voltar a dirigir-se a Talia.

– Quero que encontres uma das minhas Amantes Perdidas.

Talia ouvira falar das Amantes Perdidas de Giovanni. Era uma história cheia de mistério que ouvira desde que era pequena, era uma coleção de objetos valiosos que Giovanni trouxera consigo para o Novo Mundo quando emigrara da Itália na juventude. Tivera de os vender para sobreviver, embora os adorasse. Sempre se recusara a contar mais e sempre afirmara que um idoso tinha de guardar segredos. Ela suspeitava que Giovanni guardava muitos segredos e, naquele momento, com um brilho de curiosidade, questionou-se se lhe contaria pelo menos um.

– Uma das tuas Amantes Perdidas? Nunca disseste o que são. Qual é?

– Um livro, um livro muito especial e muito difícil de encontrar.

– E achas que conseguirei encontrá-lo?

– Sim. Confio na tua inteligência e engenho, Talia. A tua criatividade é resplandecente.

Riu-se e abanou a cabeça com vergonha e emoção. O avô não costumava ser tão sentimental, mas ela sabia que os anos já lhe pesavam e suspeitava que precisava de dizer coisas que guardara durante muito tempo.

– Que tipo de livro?

– Um livro de poemas de amor escrito por um poeta anónimo do Mediterrâneo. Chama-se Il Liberto d’Amore.

– Há muitos exemplares?

– Alguns, mas o meu era diferente dos outros. Era uma primeira edição com capa de couro trabalhada à mão. É único.

– E achas que consigo encontrá-lo? – perguntou Talia, sem disfarçar a dúvida.

Imaginara que poderia procurar na Internet ou nos livros usados, mas, naturalmente, Giovanni também podia fazer isso. Comprara um tablet há uns anos e, como o empresário inovador que sempre fora, navegava muito na Internet. Naturalmente, queria que ela fizesse algo mais importante e difícil e não ia defraudá-lo. O avô não lhe pedira quase nada ao longo dos anos e dera-lhe os seus aposentos privados na residência quando tinha dezanove anos. Nunca a obrigara a sair para tentar coisas novas e permitira que forjasse uma carreira como artista sem sair da villa. Devia muito ao seu nonno.

– Sim. Quero que encontres esse livro em concreto – confirmou, com um sorriso triste. – Há uma inscrição por dentro da capa. «Queridíssima Lucia, levar-te-ei eternamente no coração. O teu B.A.» – A voz entrecortou-se um pouco e baixou o olhar, pestanejando antes de voltar a olhar para Talia com o seu sorriso enigmático de sempre. – Assim, saberás que é o livro que procuras.

– Quem é a Lucia? – perguntou Talia, comovida com a inscrição e a emoção tão inusitada do avô. – Quem é o B.A.? Eram teus amigos?

– Sim, pode dizer-se que sim. Adorava-os e eles amavam-se muitíssimo. – Giovanni endireitou a manta. Estava pálido e Talia apercebeu-se de que ultimamente se cansava depressa. – Mas essa é outra história.

– O que aconteceu ao livro? Vendeste-o quando chegaste aos Estados Unidos?

– Não, não o trouxe para os Estados Unidos. Deixei-o lá e é por isso que será difícil encontrá-lo. No entanto, acho que consegues, Talia. Mesmo que embarques numa viagem em mais do que um sentido.

– Uma viagem…

Talia cerrou os dentes. Tinha a certeza de que aquela era a forma que o avô tinha de a tirar daqueles terrenos. Sabia que desejava que ela saísse e ela sempre resistira, insistira que era feliz na propriedade. Como podia não ser? Tinha tudo o que queria. Não precisava de mais nada e também não queria aventuras ou emoções, pelo menos, como as que tivera uma vez.

Nonno

– Não vais rejeitar o último desejo de um idoso, pois não?

– Não digas isso…

– É verdade, querida, e desejo muito recuperar esse livro, virar as suas páginas frágeis e ler que o amor supera qualquer glória ou tragédia…

A voz entrecortou-se outra vez e Talia mordeu o lábio inferior enquanto os remorsos se apropriavam dela. Como podia pensar em negar aquele pedido ao avô e tudo por um medo egoísta? Como podia negar alguma coisa a Giovanni, ao nonno, que tomara conta dela desde que era uma criança, que fora o pai e a mãe ao mesmo tempo e vivera com ela durante os últimos sete anos, aceitando as suas limitações e sem deixar de a amar?

– Vou tentar, nonno.

– Sei que o farás, querida, sei que tentarás por todos os meios e conseguirás.

 

 

– Há mais uma mulher, senhor Mena.

Angelos Mena levantou o olhar da mesa e do monte de currículos que descartara. Nenhuma das mulheres que entrevistara naquela tarde fora remotamente apta para o lugar. Na verdade, suspeitava que tinham estado mais interessadas em aproximar-se dele do que em conhecer a filha Sofia, como acontecera com as três últimas amas. Cerrou os dentes com aborrecimento e passou uma mão pelo cabelo.

– Outra? Não devia haver mais. Não tenho mais currículos.

Eleni, a secretária, estendeu as mãos com impotência.

– Está há várias horas à espera e diz que tem de o ver.

– Pelo menos, é tenaz. Manda-a entrar.

Eleni abandonou o escritório. Angelos foi até à janela com vista de Atenas. A tensão embargou-o. Não lhe dava jeito que a nova ama tivesse adiado o começo do trabalho por seis semanas. Encontrar uma substituta provisória e aceitável era uma complicação que odiava e ainda mais quando entrevistara uma dúzia e nenhuma lhe parecera adequada. Algumas tinham experiência, mas, quando chamara Sofia para verificar se a filha as aceitava, ela resistira às tentativas das mulheres de ganhar a sua amizade. Até ele se apercebera de como eram falsas. Apercebera-se de que algumas não tinham querido olhar para Sofia e de que outras tinham olhado para ela fixamente. As duas reações tinham feito com que a filha se acovardasse de vergonha e essa injustiça deixara-o furioso. A filha não tinha de se envergonhar de nada e ele também não.

– Senhor Mena…

Angelos virou-se e viu uma jovem esbelta à porta. Parecia pálida, mas decidida, tinha o cabelo castanho-claro e despenteado e o vestido cor-de-rosa vaporoso estava irremediavelmente amarrotado. Ele franziu o sobrolho ao ver o seu desalinho. Evidentemente, não se vestia para impressionar.

– A menina é…? – perguntou ele, num tom intencionalmente seco.

– Lamento muito… hum… signori… mas não falo… den… hum… milau

Ela balbuciou e ficou vermelha, o que iluminou os seus olhos cor de avelã no rosto sardento e ovalado.

– Não fala grego? – concluiu Angelos, num inglês impecável. – No entanto, a minha filha só fala grego. Que interessante, menina…

Ele arqueou uma sobrancelha e sorriu com frieza. Não tinha tempo para dedicar a outra candidata completamente inepta e o melhor era livrar-se dela o mais depressa possível.

– Menina Natalia di Sione. – A mulher endireitou-se e os seus olhos castanhos esverdeados deixaram escapar um brilho que surpreendeu Angelos. Aquela mulher tinha caráter. – Além disso, a sua filha fala um pouco de inglês, se se refere à rapariga que passou toda a tarde sentada fora do escritório.

– Falou com ela?

– Sim. Não devia tê-lo feito?

Observou-o com indecisão e humedeceu os lábios com a ponta da língua. Angelos percebeu o gesto e sentiu uma tensão por dentro que sufocou implacavelmente enquanto dava uma palmadinha no monte de currículos.

– Não me entregou o seu currículo, menina Di Sione.

– O meu currículo? – perguntou ela, como se não soubesse do que estavam a falar.

Sentiu que a impaciência aumentava. Evidentemente, era inepta e não tinha a mínima preparação. Era uma mudança em comparação com algumas das candidatas anteriores, mas era irritante em qualquer caso.

– Receio que não possa dedicar-lhe mais tempo, menina Di Sione. É completamente inadequada para o lugar.

– O lugar…

Ela ficou completamente atónita. Ele deu a volta à mesa e dirigiu-se para a porta. Quando passou ao lado dela, percebeu um cheiro limpo e simples, talvez fosse a amêndoas. Tocou na maçaneta.

– Obrigado pelo seu tempo, menina Di Sione, mas preferiria que não esbanjasse o meu.

– Mas ainda nem sequer falei consigo.

Virou-se para olhar para ele e passou o cabelo por trás das orelhas. Ele reparou nas madeixas compridas e castanhas e nas orelhas pequenas e perfeitamente formadas. Estava a reparar nas suas orelhas! Podia saber-se o que se passava? Desviou o olhar para os ombros, que ela deitara para trás, e reparou no seu corpo esbelto e com umas curvas delicadas. Voltou a levantar o olhar para o seu rosto e manteve-o lá.

– Já tirei conclusões suficientes da nossa breve conversa. Não tem currículo, trouxe um vestido amarrotado para uma entrevista de trabalho…

– Acabei de sair de um avião. Uma entrevista de trabalho…

– Veio para ser a ama provisória…

– A ama da sua filha?

– De quem seria?

– Claro, claro. Peço-lhe desculpas por não ter o currículo. Acabei de descobrir que… havia este emprego. Podia…? Podia dizer-me o que tenho de fazer?

Ele franziu o sobrolho. Tinha de a descartar porque sabia que era completamente inepta, mas havia alguma coisa no seu olhar e na rigidez das suas costas que o fez hesitar.

– Tomaria conta da minha filha de oito anos, Sofia. A ama que contratei tem de cuidar da mãe doente e não pode começar até final de agosto. Por isso, preciso de uma substituta durante seis semanas. Dizia tudo no anúncio…

Ela assentiu lentamente com a cabeça.

– Sim, claro, já me lembro.

– Tem alguma experiência a tomar conta de crianças, menina Di Sione?

– Chame-me Talia, por favor. A resposta é: Não.

– Nenhuma?

Ela abanou a cabeça e o cabelo ondulado voltou a cair pela cara. Então, passou-o por trás das orelhas com um sorriso quase malicioso. Angelos sentiu que o sangue lhe bulia de indignação. Tinha a insolência de marcar uma entrevista sem a mínima experiência!

– Como percebi assim que entrou neste escritório, está a desperdiçar o meu tempo.

Talia di Sione pestanejou e encolheu-se um pouco devido ao seu tom, mas Angelos não sentiu compaixão. Porque é que aquela mulher estava ali? Não tinha currículo nem experiência, não tinha nenhuma possibilidade e devia ter sabido.

– Talvez devesse perguntar à sua filha se desperdicei o tempo dela.

 

 

Talia viu que os olhos de Angelos Mena brilhavam e que cerrava os dentes. Emanava impaciência, aversão e algo mais. Algo incómodo, como uma força magnética que fazia com que se apercebesse de que era perigoso. No entanto, não se sentia ameaçada, apesar de tudo o que acontecera naquele dia.

Angelos cruzou os braços e o tecido do fato ficou tenso devido aos músculos impressionantes. Se não tivesse um aspeto tão áspero, Angelos Mena teria parecido um homem atraente. Na verdade, tê-lo-ia considerado impressionante, sensual e muito viril. O seu corpo, alto e poderoso, estava coberto por um fato que parecia muito caro e os elos de prata e ouro de um relógio exclusivo brilhavam num dos seus pulsos poderosos. O cabelo, moreno e muito curto, emoldurava um rosto cinzelado com umas sobrancelhas retas e uns olhos castanhos que a tinham observado como brasas durante toda aquela entrevista desafortunada. Embora ela não esperasse que a entrevistassem, claro. Esperara durante quatro horas fora do escritório de Angelos Mena com a esperança de poder perguntar pelo Il Liberto d’Amore. Passara quatro semanas cansativas a investigar para encontrar a pista que a levara até àquele homem e ainda não sabia se realmente o tinha. Ligara várias vezes para a Mena Consultancy, mas não conseguira falar com ele. Deixara algumas mensagens ambíguas com a secretária, mas queria explicar o que procurava numa conversa cara a cara. No entanto, a julgar pela atitude de Angelos Mena naquele momento, parecia-lhe que não recebera nenhuma delas. O seu nome não lhe era familiar e demorara dez segundos a aperceber-se de que uma conversa não a levaria muito longe. No entanto, ia tentar fazer com que a contratasse como ama da sua filha?

– Vou buscá-la.

Angelos saiu do escritório e Talia deixou-se cair numa das cadeiras à frente da mesa. Tremiam-lhe as pernas e sentia dores de cabeça. Esgotara todos os seus recursos físicos e mentais para chegar até ali. Passara nove horas num avião, a suar e a tremer, deambulara pelas ruas buliçosas de Atenas, dera um salto cada vez que alguém lhe tocara num ombro e tentara conter as lembranças em que nunca se permitia pensar, as lembranças que podiam embargá-la e fazer com que o coração acelerasse de pânico.

Fora cansativo, mas, mesmo assim, levantou-se e foi até à janela. Ao longe, viam-se as ruínas da Acrópole sob um céu azul implacável. Era uma vista tão poderosa que fazia com que se sentisse assustada e emocionada. Durante um segundo, recordou o que sentira quando tinha dezoito anos e estava repleta de vigor e esperança, quando todo o mundo se prolongava à frente dela, quando era tudo uma aventura cativante…

– Menina Di Sione…

Talia virou-se e corou devido ao olhar de censura de Angelos Mena. Não devia ter olhado pela janela? Aquele homem estava muito tenso.

– Aqui está a Sofia.

– Sim, claro.

Talia aproximou-se da menina, que pestanejou por trás dos óculos. O cabelo, ondulado e escuro, emoldurava um lindo rosto ovalado, embora quase toda a face direita estivesse coberta pela carne rosada e enrugada de uma cicatriz. Enquanto esperava lá fora, apercebera-se de que a menina deixava que o cabelo lhe caísse para a cara para a esconder e sentira um aperto no coração, pois ela também sabia o que era viver com cicatrizes, embora as dela fossem invisíveis.

– Olá, Sofia! – cumprimentou-a, com um sorriso.

A menina, como antes, inclinou a cabeça para a frente para que o cabelo lhe tapasse a cara. Angelos franziu o sobrolho. Talia ignorou o sobrolho franzido e interrogou-se o que a filha sentia. Observara Sofia enquanto esperava que Angelos a recebesse e vira que a menina olhava com atenção para cada mulher que entrava no escritório e que deixava cair os ombros quando voltavam a sair, geralmente, incomodadas, envergonhadas ou as duas coisas ao mesmo tempo. Sofia entrara algumas vezes no escritório e ela vira que o seu corpinho tremia e que agarrava as mãos, com os nós dos dedos brancos e ossudos.

Depois de esperar durante uma hora, tentara tornar-se amiga dela. Mostrara-lhe o bloco e os lápis de cor que tinha sempre na mala e, para passar o tempo, desenhara um esboço rápido de uma das mulheres que estavam à espera. Exagerara a cara para que fosse uma caricatura, mas reconhecível. Quando Sofia reconhecera a mulher de nariz partido e olhos protuberantes que tinha as mãos como garras numas ancas ossudas, deixara escapar uma gargalhada leve, antes de tapar a boca com uma mão e uma expressão de pânico. Sorrira com cumplicidade para a tranquilizar e Sofia relaxara, baixara a mão e aproximara o bloco para, em silêncio, lhe pedir para fazer outro desenho. Fizera-o. Assim tinham passado uma hora agradável. Talia desenhara todas as mulheres que conseguira recordar antes de dar os lápis a Sofia e encorajá-la a desenhar qualquer coisa. Sofia desenhara um pôr do sol, uma franja de areia e uma mancha de água azul.

– Lindo – murmurara Talia.

Spiti – comentara a menina, antes de o traduzir quando Talia não entendera. – A minha casa.

– Sofia…

Angelos chamou-a num tom mais firme, apoiou uma mão no ombro da filha e falou em grego.

Yassou – replicou a menina, olhando para ele.

Ele voltou a falar em grego e olhou para Talia com os olhos semicerrados.

– Estou a dizer-lhe que não fala grego.

– Não se preocupe – replicou Talia, num tom desenvolto. – Já sabe. Passámos quase toda a tarde a falar por gestos e entendemo-nos. Além disso, a Sofia sabe mais inglês do que imagina, senhor Mena.

Kyrie Mena – corrigiu ele.

Kyrie – repetiu ela.

No entanto, Angelos Mena não teve de fazer uma careta de espanto para saber que a pronúncia fora horripilante. Ele voltou a falar em grego com a filha e ela respondeu qualquer coisa. Embora Talia não entendesse o que estavam a dizer, apercebia-se da desconformidade de Angelos e do nervosismo de Sofia. Ela tentou sorrir, embora o cansaço voltasse a incomodá-la. O que estava a fazer ali? Fora procurar o prezado livro do avô, não um emprego como ama. Se tivesse juízo, acabaria com aquela farsa antes de chegar mais longe e explicaria a Angelos Mena porque estava ali. Então, com toda a certeza, expulsá-la-ia e qualquer possibilidade de recuperar o livro de Giovanni teria desaparecido para sempre.

Angelos estava a falar outra vez em grego com Sofia e ela conseguia sentir que a dor de cabeça aumentava. Estava calor, o ambiente era denso e as pernas começavam a tremer.

– Importa-se… – murmurou ela, enquanto se deixava cair numa cadeira com a cabeça entre as mãos.

– Menina Di Sione! – Angelos parou de falar com a filha. – Sente-se mal?

Talia respirou fundo e a cabeça começou a dar voltas.

– Menina Di Sione…

– Talia – corrigiu ela. – Sim, sinto-me mal, acho que vou desmaiar.