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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2001 Cindy Gerard

© 2018 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Corações solitários, n.º 444 - j ulho 2018

Título original: The Bridal Arrangement

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Harlequin Desejo e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-9188-767-6

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo Um

Capítulo Dois

Capítulo Três

Capítulo Quatro

Capítulo Cinco

Capítulo Seis

Capítulo Sete

Capítulo Oito

Capítulo Nove

Capítulo Dez

Se gostou deste livro…

Capítulo Um

 

 

 

 

 

Lee Savage sentia-se como se estivesse prestes a cair num precipício. Sabia que o desastre era inevitável, mas não conseguia deixar de seguir nessa direcção.

Ao descer da carrinha, intimamente, considerava-se culpado, mas tentou ignorar esse sentimento, bem como a condição miserável em que se encontrava a quinta Shiloh, e limitando-se a ajeitar a aba do chapéu com um gesto casual. Nem mesmo os óculos escuros conseguiam diminuir a visibilidade dos efeitos que a negligência causara à propriedade.

Parecia que tudo precisava de obras, desde a entrada ao segundo andar. Quando ele se aproximou da entrada, e pisou no primeiro degrau das escadas, a tábua rangeu sob a sola da bota de couro.

Determinado, Lee cerrou os dentes e decidiu esquecer tudo o que não se relacionasse com o motivo que o levara até àquele lugar. Ergueu o braço e bateu com o punho cerrado na porta. Era a porta do único lar que conhecera…

Passaram-se apenas alguns momentos até que dedos pequenos e delicados afastassem as cortinas amareladas pelo tempo da janela ao lado, revelando um par de olhos violeta, suaves e delicados.

Ele conhecia aqueles olhos, mas vira-os pela última vez no rosto de uma menina. Mas, agora, aos dezanove anos, Ellie Shiloh dificilmente poderia ser considerada uma criança. Mesmo assim, quando, um segundo depois, ela abriu a porta, Lee pôde ver naquele rosto a mesma expressão inocente da menina do passado.

Os lábios dele contraíram-se involuntariamente. Também sentia a garganta estranhamente seca…

– Olá, Ellie – murmurou Lee com uma voz rouca, sem saber o que dizer nestas circunstâncias.

– Bom dia, Lee. – A voz dela era pura e perfeita como o ar de Montana. – Está uma linda manhã, não achas?

Apertando o nó do robe na cintura, Ellie deu um passo em frente e contemplou o horizonte. Em seguida respirou fundo, com evidente satisfação e, só então, olhou de relance para o recém-chegado.

– É muito cedo para alguém com a tua idade estar acordado, não é?

Ellie estava a brincar. Lee tinha dezoito anos quando deixara a quinta e, nos quinze anos seguintes, raramente visitara o lugar. Nessas poucas ocasiões, Ellie provocava-o sempre, dizendo que ele estava cada vez mais velho e mais sábio… Praticamente um velho se comparado com a juventude dela. Mas Lee não sorriu como das outras vezes. Afinal de contas, agora tudo era diferente…

E Ellie não sabia de nada. Não fazia a menor ideia do que realmente estava prestes a acontecer. Talvez por isso mesmo fosse capaz de encarar a situação com tanto bom humor.

Ele tirou os óculos e tossiu. Era melhor começar a tratar de negócios.

– Então… Dia catorze está bem para ti?

O olhar subtil de Ellie só serviu para o deixar mais tenso.

– Oh, sim, dia catorze é perfeito… – assentiu ela com um gesto curto e determinado de cabeça. – Eu até pensei em encomendar um dia com sol, com uma brisa fresca a soprar. Seria esplêndido, não achas?

Mais uma vez, Lee apercebeu-se que contemplava as feições delicadas do maravilhoso rosto feminino. Ellie parecia uma ninfa, pronta para sair a correr pela floresta a qualquer instante. Quase que podia vê-la, com os cabelos enfeitados por pétalas de rosa, cercada por borboletas e seres mágicos…

– Tu não te incomodas, Lee? – a voz que se lhe dirigia parecia vir de longe, insinuando-se no meio da fantasia que ele sonhava acordado.

Lee abanou a cabeça, desviando o olhar para a extremidade oposta da varanda. Bolas, com certeza tinha perdido alguma parte da conversa… Teve que respirar fundo antes de voltar a encará-la.

– Lamento, Ellie. O que é que não me incomoda?

A mão de Ellie tocou gentilmente no braço dele, como se ela tivesse sido envolvida por uma necessidade súbita de o proteger.. logo ao Lee, um homenzarrão de quase dois metros de altura!

– Estás bem? – As suas sobrancelhas perfeitas franziram-se numa expressão preocupada.

– Estou óptimo… só um pouco distraído – murmurou Lee de forma abrupta, tentando concentrar-se e fazendo um esforço para relaxar. Obviamente que teve que se afastar do toque delicado de Ellie para conseguir atingir os seus objectivos. Fingindo uma paciência que não tinha nada a ver com a tensão que o dominava, voltou a encará-la. – Estou óptimo, Ellie. Agora diz-me, o que é que estavas a perguntar?

– Sobre a igreja, lembras-te? – Um lindo sorriso voltou a iluminar o seu rosto. – Eu gostaria que tudo acontecesse na igreja… se isso não for muito incómodo, claro.

Aquela voz era como uma finíssima taça de cristal. Aliás, tudo em Ellie parecia especial, a começar pelo corpo escultural que se escondia por trás do robe cor-de-rosa…

«Mantem a concentração», disse ele para si próprio. Ellie queria uma igreja. Fora o primeiro pedido que ela fizera desde que começara toda aquela triste história.

Enquanto ensaiava um gesto de anuência, Lee sentiu-se dominado por um súbito impulso de pôr um fim a toda aquela loucura e de deixar a quinta como estava. Mas, em vez disso, ele simplesmente murmurou:

– Não há problema… Eu vou tratar disso.

Outro sorriso curvou os lábios de Ellie, paralisando-o de imediato como num passe de mágica.

Sim. A Ellie era uma feiticeira, e o seu sortilégio tinha dominado completamente Lee…

Bem, mas pensar assim não o levaria a lugar nenhum. O que ele tinha que fazer nesse momento era pensar na honra. Na honra dele. E num favor devido. Um favor que Lee pretendia pagar assim que pudesse voltar ao Texas para finalizar um certo negócio.

– Só passei por cá para ver se estava tudo bem. Agora tenho que me ir embora. Vejo-te daqui a duas semanas.

Ele não queria soar tão distante e formal, mas agora era tarde para tentar evitar isso. Virou costas àqueles olhos aveludados que o encaravam com tanta esperança. Esperança… como se a situação existente entre eles admitisse tal sentimento.

Recolocou os óculos escuros e caminhou lentamente para a carrinha mas, antes de abrir a porta, teve a infeliz ideia de virar a cabeça. Melhor seria se se tivesse ido embora sem olhar para trás…

Ela continuava parada à porta. Um instante depois avançou alguns passos, sempre com um sorriso nos lábios. Lee sentiu a garganta secar-se e teve que respirar fundo antes de perguntar, com alguma hesitação:

– Vai ficar tudo bem, não achas?

Ellie assentiu, tentando expressar segurança com um olhar firme. Lee tentou convencer-se de que fizera o melhor para ambos. Mesmo assim, não gostava da ideia de a deixar sozinha durante duas semanas…

– Eu venho – te buscar no dia catorze às dez, então – disse ele, finalmente, quase num sussurro.

– Às dez está perfeito… perfeito! – O sorriso da rapariga era casual, como se a sua vida não estivesse prestes a mudar drasticamente. – Bem… se não for muito incómodo, claro – emendou em voz baixa.

Incómodo? Se a situação não fosse tão grave Lee teria dado uma gargalhada. Céus! Levá-la para a cidade era a única coisa que não o preocupava.

De qualquer forma, Lee forçou-se a responder.

– Claro que não. Liga-me se precisares de alguma coisa. Tens o meu número, não tens?

Quando ela assentiu, Lee finalmente entrou na carrinha.

– Lee…

A voz suave fez a mão dele deter-se antes de rodar a chave na ignição. Virando a cabeça devagar, Lee voltou a encontrar o mesmo sorriso tímido e inseguro nos lábios de Ellie.

– Muito obrigada. – As palavras de agradecimento eram sinceras, mas com um indisfarçável tom de orgulho.

Ele simplesmente assentiu, sabendo que aquilo era um agradecimento antecipado pelo que iria acontecer dentro de duas semanas, e que mudaria a vida dos dois para sempre.

Numa igreja, lembrou a si próprio, ao mesmo tempo que era dominado pela estranha sensação de que aquela rapariga estava quase a cometer o maior erro da sua vida.

Ligou o motor e partiu, deixando um rasto de poeira, lembrando-se alguns segundos depois que não podia esquecer-se de providenciar um anel de casamento.

 

 

Ellie estava parada diante da janela, a olhar para Oeste com uma expressão entusiasmada. A excitação dominava-a por completo.

Ela abraçou o próprio corpo, como se tentasse controlar as emoções demasiado grandes. Era o dia do seu casamento. O dia em que o seu sonho mais antigo e acalentado se tornaria realidade.

Do lado de fora da casa, o canto de um pássaro viajava numa suave brisa, como se fosse um lembrete glorioso do que estava quase a acontecer. Em menos de uma hora Lee chegaria para a levar.

Ele tinha telefonado na noite anterior do hotel onde estava hospedado. E Ellie quase perdera a compostura ao ouvir aquela voz máscula. Conseguia imaginá-lo no quarto de hotel… deitado na cama, com as longas pernas cruzadas, e aquelas sobrancelhas grossas arqueadas numa expressão preocupada. Os cabelos negros deviam estar um pouco despenteados, os olhos azuis a brilhar de ansiedade e antecipação. Também devia estar cansado por causa da longa viagem que fizera desde Houston…

– E, neste exacto momento, está a vir para cá ao meu encontro – recordou a si própria, sentindo outro arrepio causado pela excitação.

Queria estar pronta. Queria ser perfeita para aquele homem maravilhoso, a quem amara desde o primeiro encontro.

Tinha realizado as tarefas matinais com muita rapidez. Alimentara os cavalos e as galinhas e, depois, desfrutara do prazer de um longo e relaxante banho de espuma. Agora estava pronta para colocar o vestido de noiva.

Com o coração acelerado foi até ao espelho de corpo inteiro que ficava no canto do quarto… o quarto que em breve dividiria com Lee, como sua mulher.

Ao ver o próprio reflexo, Ellie corou, fazendo a sua pele contrastar ainda mais com o luxuoso conjunto de lingerie branca que recebera, no dia anterior, pelo correio. Ela tocou no finíssimo tecido de seda e sentiu a face corar ainda mais ao notar quão rígidos estavam os seus mamilos.

Seria suficientemente bonita para lhe agradar? Será que os penetrantes olhos azul-cobalto de Lee brilhariam de desejo ao vê-la vestida daquela maneira? O seu corpo vibraria, como o de Ellie vibrava naquele instante, assim que ficassem a sós? Ou será que ele ia ficar desiludido?

Examinando com um olhar fixo e crítico o próprio reflexo, Ellie viu uma mulher magra e frágil, de pele muito pálida, com um rosto muito ansioso, emoldurado pelas poucas tranças que não estavam presas no penteado elaborado que fizera no dia anterior.

Lembrou-se de uma conversa que tivera com a mãe ainda durante a infância. Naquele tempo, era sempre embalada para adormecer por doces contos de fadas que tinham sempre um final feliz.

– Um dia, um lindo príncipe vai chegar e fazer de mim a sua princesa, como a bela adormecida, não é, mamã?

– Claro que sim, princesa – concordara a mãe, mas os seus lábios estavam curvados num sorriso triste e reticente, como se a mulher desconfiasse que, no futuro Ellie, provavelmente encontraria mais sapos do que príncipes.

– Bem, ele chegou, mamã… – sussurrou ela para o quarto vazio quando o habitual sentimento de perda lhe obscureceu a felicidade. – O meu príncipe chegou. Gostaria que tu pudesses estar aqui. Gostaria que tu e o papá estivessem hoje connosco.

Tinham passado três anos desde que a sua mãe morrera. O tempo amenizara a dor, mas não a sensação de vazio que a dominava desde que o pai falecera há um mês atrás, em Março. Pela primeira vez na vida Ellie tinha ficado sozinha.

Desviando o olhar do espelho, tentou afastar a melancolia e pensar no homem que chegaria em menos de uma hora. Afinal de contas, sabia que não iria ficar sozinha por muito mais tempo…

Caminhou até ao hall, em direcção ao vestido de noiva que a esperava, cuidadosamente conservado. Era um vestido feito para uma princesa. Laços de cetim e elaborados bordados de brocado no tecido de seda tornavam o modelo muito romântico. Algo perfeito para se vestir num dia como aquele.

– Como tu deves ter ficado bonita neste vestido, mamã… – murmurou ela, retirando-o cuidadosamente de dentro da caixa onde estava guardado. – Como o papá deve ter-te amado…

Exactamente como o Lee a amaria.

Ela sabia que aquilo ia acontecer. No momento certo. Ele só tinha que a conhecer melhor, compreender que ela já não era uma menina, e sim uma mulher…

Ellie só tinha que lhe mostrar o que tinha aprendido, observando os próprios pais, sobre o amor.

E também tinha que provar que podia ser mais do que uma obrigação o que, certamente, era tudo o que ela representava nesse momento para Lee.

Sim, podia fazer com que ele a amasse, mesmo sem ser a mulher ideal.

Subitamente um pensamento encheu-a de culpa. Lee realmente não sabia no que se estava a meter. Ellie devia ter-lhe contado mas, como era um assunto evitado a todo custo naquela casa, nem sabia por onde começar.

Durante toda a vida, ela não se lembrava de ter ouvido os pais dizerem a palavra. O dr. Lundstrum era a única pessoa capaz de esclarecer o assunto. O homem fora o único a dar um nome à força que a fazia perder o controlo do tempo, da memória e das próprias recordações. Uma força que, aparentemente, também retirava a Ellie o direito a uma vida normal.

Epilepsia.

Ela fechou os olhos, engolindo em seco.

Não. Sem dúvida que aquela era uma palavra que nunca fora pronunciada na sua casa. E não era nada fácil ter que falar sobre esse assunto com aquele que seria o seu futuro marido.

A sensação frustrante de estar totalmente fora de controlo, totalmente vulnerável à doença era muito familiar. Ellie respirou fundo e abanou a cabeça lentamente. E tentou justificar-se. Talvez fosse melhor que, por enquanto, Lee não soubesse de tudo.

Ellie tinha apenas quatro anos quando ele deixara a quinta em Montana para ir frequentar a universidade no Texas. Os anos passaram e, nas raras visitas que fizera, Lee jamais presenciara uma crise… pelo menos ela não se lembrava disso. Se acabasse por descobrir a verdade antes de saber quem era realmente Ellie…

Oh, Deus, nem queria pensar. Lee olharia para ela com aquele mesmo olhar que ela via tantas vezes noutras pessoas. Um olhar de impotência e piedade, ou pior, simplesmente um olhar de rejeição. Certamente que o perderia antes que tivesse oportunidade de o amar.

No rés-do-chão o relógio soou, anunciando um quarto de hora. O estômago de Ellie retorceu-se.

Menos de uma hora.

Uma vida à espera e ele estaria ali dentro de menos de uma hora.

Isso era tudo em que tinha que pensar naquele dia. Não na epilepsia, nem no facto dos seus pais jamais terem conseguido lidar com o assunto.

Com as mãos trémulas levou o batom aos lábios, surpreendendo-se com o estado em que os seus nervos se encontravam.

Agora, o canto dos pássaros incomodava-a. Parecia ter aumentado de volume até se tornar inconveniente. O ruído era penetrante e insistente, e forçou-a a levar as mãos aos ouvidos num gesto desesperado.

– Oh, por favor! – implorou ela, mas parte do seu cérebro alertava-a indubitavelmente para o que estava a acontecer. – Por que é que eles não param…

Crise.

– Não… oh, por favor, não! Não agora. Não hoje…

Mas, ao mesmo tempo que começou a rezar para um Deus que, por um motivo qualquer, resolveu não responder, Ellie começou a sentir na boca um gosto metálico muito familiar, sabendo de imediato que não poderia lutar contra aquilo. Ficava sempre impotente contra aquela coisa…

Num passe de mágica, toda a beleza daquela manhã, toda a felicidade que a dominava antecipadamente… desapareceram. Também perdidas estavam a autoconfiança e a esperança. Era como se Ellie estivesse a mergulhar num pesadelo.

O murmúrio infantil e distante que ecoava no quarto vazio era o dela. Ela mesma não o ouvia. Ninguém mais o ouviria.

Nenhuma pessoa podia participar daquela tenebrosa solidão, nem ouvir as palavras torturadas que ela repetia sem cessar.

– Lamento. Lamento muito. Lamento muito…