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Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2003 Sara Craven

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Desejo proibido, n.º 774 - Dezembro 2014

Título original: His Forbidden Bride

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Publicado em português em 2004

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5931-9

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Volta

Capítulo 1

 

– Pensei muito – disse George – e creio firmemente que deveríamos casar-nos.

Zoe Lambert, que acabava de beber um gole de Chardonnay, teve de fazer um esforço sobre-humano para não se engasgar com o licor.

Se tivesse sido qualquer outro homem a fazer-lhe semelhante proposta, sem dúvida que teria começado a rir-se. Mas não o podia fazer a George, sentado em frente a ela na mesa do bar, com o seu cabelo castanho despenteado e a gravata torcida.

George era seu amigo, um dos poucos que tinha no Bishops Cross Sixth Form College, onde ela era membro do departamento de Matemática. Depois da reunião semanal do pessoal, costumavam ir juntos beber um copo, mas nunca tinham tido um encontro. Nem sequer havia a mínima ponta de atracção entre eles. E, no caso de existir, a ameaça da sua mãe bastaria para a fazer desaparecer.

A mãe de George era uma viúva com um coração de gelo, que fazia tudo o que era possível para manter o seu filho em casa, como um solteiro obediente, escravo dos seus desejos. Nenhuma das aventuras esporádicas de George tinha chegado a prosperar sob o gélido olhar azul da anciã e, se fosse por ela, seria assim para sempre. Aqueles olhos de ferro esbugalhar-se-iam severamente se soubesse que o seu único filho estava no bar da povoação com Zoe Lambert. A propor-lhe casamento.

– George – disse Zoe depois de respirar fundo, – creio que não…

– No fim de contas – continuou ele sem lhe prestar atenção, – vais ter dificuldades agora que estás… sozinha. Foste muito corajosa enquanto a tua mãe esteve doente. Mas agora gostaria de cuidar de ti. Não quero que te voltes a preocupar com nada.

«A não ser com o veneno que a tua mãe me deitar na comida», pensou ela. «Contando com a ajuda da sua melhor amiga, a minha tia Megan».

Fez uma careta de desagrado ao recordar os guinchos da sua tia no funeral, duas semanas antes. Megan Arnold tinha aceitado friamente as condolências dos amigos e vizinhos da sua irmã, mas não tinha dirigido palavra à sua sobrinha, a única parente viva que tinha.

De regresso à casa de campo, tinha rejeitado a comida que lhe tinha oferecido e tinha ficado a observá-la em silêncio, como se estivesse a avaliar tudo.

– Não lhes dês importância, querida – tinha-lhe sussurrado a senhora Gibb, que se encarregava de limpar a casa há dez anos. – Algumas pessoas reagem à dor de uma forma muito estranha.

Mas Zoe não via o menor traço de dor na cara de pedra da sua tia. Megan Arnold tinha-se mantido fria e distante durante a doença da sua irmã e não a tinha voltado a ver desde o dia do funeral.

Zoe afastou aqueles pensamentos desagradáveis da sua mente, afastou uma madeixa loura do rosto e cravou o olhar dos seus olhos cinzentos-claros no seu inesperado pretendente.

– Estás a dizer que te apaixonaste por mim, George? – perguntou suavemente.

– Bom… tenho muito carinho por ti, Zoe – disse ele aparentemente envergonhado, enquanto passava os dedos pelo bordo do copo. – E também te respeito muito. Tu sabes. Mas não creio que seja o tipo de pessoa que perca a cabeça por amor – acrescentou. – E suspeito que tu também não. Sinceramente, creio que o mais importante é sermos… amigos.

– Sim – respondeu ela. – Isso posso compreender. E talvez tenhas razão. George, és muito amável e aprecio tudo o que disseste, mas não vou tomar nenhuma decisão imediata sobre o meu futuro – fez uma pausa. – Perder a minha mãe foi muito duro e ainda não consigo ver as coisas com clareza.

– Eu sei… – estendeu um braço sobre a mesa e deu-lhe umas palmaditas nervosas na mão. – Não te vou pressionar, juro. Só gostaria que… que pensasses nisso, de acordo?

– Sim – disse ela, cruzando mentalmente os dedos. – Claro que sim.

«É a primeira proposta de casamento que me fazem», pensou. «Realmente singular».

– Se pensares que é possível… – disse ele vacilante, ao fim de um breve silêncio, – eu não quereria… angustiar-te nem que te precipitasses. Estou preparado para esperar o tempo que quiseres.

Zoe mordeu o lábio enquanto observava o seu rosto ansioso.

– George, não te mereço – disse sinceramente.

Meia hora mais tarde, no autocarro, não podia pensar noutra coisa. A proposta extravagante de George era apenas um dos seus problemas. E possivelmente, o menos premente.

Tinha ido para Astencombe três anos antes, ao sair da universidade, para viver com a sua mãe na casa de campo. Ao fim de pouco tempo, a sua mãe, Gina Lambert, ficou doente. A propriedade pertencia ao falecido marido da tia Megan, Peter Arnold, quem tinha combinado a renda inicial com a sua cunhada.

Zoe suspeitava de que a tia Megan nunca tinha concordado com esse contrato e, depois da morte do seu marido, começou a subir a renda ano após ano. Era uma viúva rica e sem filhos, a quem não fazia falta o dinheiro, mas, ainda assim, insistiu que a manutenção e as reparações fossem da responsabilidade da inquilina.

Gina, também viúva, tinha conseguido continuar com a sua vida com muita dificuldade, graças à miserável pensão do seu marido, aos seus quadros de paisagens e ao salário que Zoe ganhava como professora de inglês. Mas apesar de tudo, não deixava de ser um estilo de vida muito austero.

Encontrar um trabalho na povoação e viver naquela casa não era o que Zoe tinha planeado. Na universidade tinha conhecido Mick, que depois de se licenciar, queria viajar pelo mundo durante um ano. Tinha pedido a Zoe que o acompanhasse e ela tinha-se sentido seriamente tentada.

De facto, tinha ido a casa no fim-de-semana para contar à sua mãe o que pensava fazer. Mas ao chegar, tinha encontrado Gina com um ar débil e cansado. A sua mãe negou por completo que algo se passasse, mas Zoe soube por Adele, a vizinha, que no dia anterior a tia Megan a tinha ido visitar e que tinham trocado «umas quantas palavras».

Zoe passou o fim-de-semana a tentar contar-lhe os seus planos, mas foi-lhe impossível. Então, decidiu comunicar a Mick que tinha mudado de opinião a respeito da viagem. Tinha alimentado a esperança de que ele gostasse dela o suficiente para não ir sem ela, mas teve uma amarga decepção. Mick não estava disposto a mudar a sua viagem… apenas a companhia. Em questão de dias, o seu lugar na cama e no coração de Mick tinha sido ocupado por outra.

Mas isso, pelo menos, tinha-lhe ensinado uma valiosíssima lição sobre os homens e sempre era melhor que a tivesse abandonado em Inglaterra do que na Malásia. Desde então, não tinha voltado a ter uma relação séria e agora George propunha-lhe casamento sem a amar. Parecia que a história se estava a repetir.

«Se não tiver cuidado, vou acabar com um grave complexo», disse para si mesma.

Contudo, ao olhar para trás, não se arrependia de ter sacrificado a sua independência. Talvez o trabalho na povoação tivesse as suas limitações, mas ela estava muito agradecida por ter podido ficar ali durante as primeiras análises que fizeram à sua mãe, ao seu posterior tratamento médico… e à sua curta fase final. Apesar da tristeza e da dor, Zoe tinha muitas recordações boas para guardar, graças à esperança e ao optimismo que a sua mãe mostrara até aos seus últimos momentos.

Mas era inquestionável que um capítulo da sua vida acabava de se fechar e não se imaginava a trabalhar durante o resto dos seus dias no departamento do Bishops Cross College. Tinha ficado com os pertences da casa de campo e com algum dinheiro do testamento da sua mãe. Talvez fosse a sua oportunidade para se mudar e começar uma vida nova.

Uma coisa era certa: a tia Megan não ficaria exactamente triste por vê-la longe dali.

Como poderiam duas irmãs ser tão diferentes?, perguntou-se com pesar. A sua tia era doze anos mais velha do que a sua mãe, mas entre elas nunca tinha havido o menor laço fraternal.

– Creio que a Megan gostava de ser filha única – tinha explicado a sua mãe quando Zoe lhe apresentou uma vez a questão, – pelo que não achou graça nenhuma quando eu nasci.

– Nunca quis ter filhos? – tinha perguntado Zoe.

– Talvez o tivesse desejado. Mas… não aconteceu. Pobre Megan – acrescentou Gina com um suspiro.

Megan era mais alta e mais delgada que a sua irmã mais nova, com um rosto que parecia luzir uma permanente expressão de ressentimento. Não havia nela o menor traço da alegria que caracterizava Gina, que só de vez em quando se encerrava em si mesma, isolada do mundo.

Zoe tinha-se questionado acerca da razão desses retraimentos ocasionais e a única explicação lógica que lhe ocorrera era que a sua mãe ainda continuava a carregar o luto pela morte do marido.

A sua tia, pelo contrário, era completamente diferente. Nunca tinha tido que se preocupar com dinheiro e o seu marido tinha sido um homem amável e entusiástico, muito popular na região. A atracção dos pólos opostos, pensava Zoe. Não havia outra explicação para que um casal tão diferente se unisse.

A tua tia, além disso, tinha uma bonita mansão georgiana rodeada por um grande muro de pedra, da qual saía principalmente para presidir a quase todos os eventos locais. Mas nem sequer o seu reinado de terror particular parecia fazê-la feliz.

E a rejeição para com a sua irmã mais nova parecia ter-se alargado à sua única sobrinha. Zoe não podia fingir alegria ante a evidente hostilidade da sua tia, mas tinha aprendido a comportar-se com educação quando se encontravam e a não esperar nada em troca.

Saiu do autocarro no cruzamento e começou a caminhar pela estrada. O dia era quente e ventoso e o ar estava impregnado pelo cheiro dos caniços. Zoe soltou um suspiro e aspirou com satisfação o aroma silvestre. Era época de exames na universidade, pelo que pensou que poderia relaxar naquela noite a trabalhar no jardim. Sempre tinha achado muito terapêutico arrancar as ervas daninhas, por isso poderia aproveitar para pensar no seu futuro enquanto o fizesse.

Mas então dobrou a esquina que conduzia à casa e o que viu fez com que parasse e franzisse o sobrolho. Um painel «vende-se», com o logótipo de uma agência imobiliária, estava plantado no jardim dianteiro, junto à cerca branca de madeira.

Devia tratar-se de um erro, pensou enquanto percorria os últimos metros a toda a pressa. Justamente quando alcançou a entrada, apareceu Adele, a vizinha, na porta ao lado. Com ela seguia o seu filho mais novo, agarrado à sua anca como uma lapa.

– Sabias algo sobre isto? – perguntou, apontando para o painel com a cabeça. Zoe limitou-se a negar com a cabeça e a suspirar. – Supunha… Quando vieram esta manhã para o colocar, perguntei-lhes o que estavam a fazer e só me disseram que obedeciam a ordens da proprietária – apontou com a cabeça para a casa. – Está lá dentro, à tua espera. Chegou há pouco e abriu a porta com a sua própria chave.

– Oh, maldita seja… – murmurou Zoe. – Era só o que eu precisava.

Megan Arnold estava na sala de estar, de pé em frente à lareira apagada, com o olhar fixo no quadro que estava pendurado por cima.

Zoe ficou a observar à porta, desconcertada. Era uma pintura pouco comum, muito diferente dos temas que Gina escolhia. Parecia uma estampa mediterrânea, um lanço de escadas em mármore, sobre o qual estavam espalhadas as pétalas desbotadas de uma rosa, conduzia a um terraço com uma balaustrada. E sobre o muro, contra um céu azul radiante e um mar celeste, via-se um grande vaso de pedra com gerânios vermelhos, brancos e cor-de-rosa.

O que fazia com que a pintura fosse estranha era que os Lambert quase sempre tinham passado as suas férias em casa e apenas uma ou outra vez tinham viajado para Cornualha ou para Yorkshire Dales. Tanto quanto Zoe sabia, o Mediterrâneo era uma incógnita para a sua mãe. E aquele quadro era a única tentativa que tinha feito sobre esse tema.

De repente, a sua tia pareceu notar a sua presença e voltou-se para ela, com uma expressão destemida no seu rosto de pedra.

– Chegas tarde – disse com brusquidão.

– Houve uma reunião de pessoal – respondeu Zoe com semelhante brusquidão. – Deverias ter-me avisado que vinhas, tia Megan – fez uma pausa. – Queres um pouco de chá?

– Não, esta não é uma visita familiar – a velha senhora sentou-se no sofá de costas altas que estava junto à lareira.

«O sofá da minha mãe», pensou Zoe com uma pontada de dor, mas tentou que aquilo não a afectasse. No fim de contas, aquela casa era da sua tia.

Megan Arnold ia vestida, como de costume, com uma saia plissada azul-marinho, a condizer com uma xaile feito à mão e uma blusa azul-clara feita por medida, e levava o cabelo cinzento bem apanhado no alto da cabeça.

– Como deverás ter reparado, coloquei a casa à venda – continuou a falar. – Dei instruções à agência para a começarem a mostrar de imediato, pelo que terás que tirar tudo isto daqui – apontou com a mão para os livros e adornos que enchiam as estantes de ambos os lados da lareira. – E far-me-ias um favor se no final do mês já não estivesses cá.

– Assim de repente? – perguntou Zoe com a voz afogada.

– O que esperavas? – perguntou a sua tia, imperturbável. – O meu marido permitiu que a tua mãe ficasse com esta casa só enquanto ela fosse viva. O acordo não te incluía a ti. Creio que não esperavas ficar aqui.

– Não esperava nada – respondeu ela. – Mas sim, pensava poder dispor de algum tempo.

– Na minha opinião, tiveste tempo de sobra – declarou a sua tia. – E aos olhos da lei estás a viver numa casa ocupada – fez uma pausa. – Não deverás encontrar dificuldades em arrendar um quarto no Bishops Cross College. Lá estarias perto do teu trabalho.

– Um quarto não me solucionaria nada – disse ela, mantendo a custo a compostura. De certeza que George tinha sabido de tudo aquilo. A sua mãe devia ter-lhe contado o que a sua tia estava a planear e por isso a tinha pedido em casamento. Porque sabia que muito em breve ela estaria sem casa.

Sentiu um calafrio. Oh, George, pensou com desespero, porque não a tinha ele avisado em vez de se passar por Sir Galahad?

Respirou fundo e tentou falar com normalidade:

– Nem todo o mobiliário está incluído na casa. Há móveis que pertenciam à minha mãe e quero levá-los comigo, tal como os seus livros e quadros – viu como o olhar da sua tia voltava para o quadro sobre a lareira e decidiu, se bem que tardiamente, tentar uma aproximação. – Talvez quisesse ficar com algum deles… como recordação – sugeriu. – Esse mesmo, por exemplo.

A sua tia fez um gesto de asco.

– É horrível – disse com a voz a tremer. – Jamais pensaria tê-lo em minha casa.

Zoe olhou-a, horrorizada com o seu tom de rejeição.

– Tia Megan – disse lentamente, – porque é que… que a odiavas tanto?

– De que estás a falar? Eu… odiar… Gina… a irmã perfeita? – deu uma brusca e estridente gargalhada. – Que palermice. Ninguém estava autorizado a odiá-la. Jamais. Fizesse o que fizesse, por muito maior que fosse o seu pecado, recebia sempre o amor e o perdão de todos.

– Está morta, tia Megan – a voz de Zoe quebrou-se. – Se alguma vez te magoou, de certeza que não foi com intenção. E de qualquer forma, já não poderá voltar a fazê-lo.

– Enganas-te – disse a sua tia com o queixo levantado. – Jamais teve o poder de me afectar. Porque eu sempre a vi como era. Nunca me enganou com a sua fachada inocente. Nunca – fez uma pausa brusca e levantou-se. – Mas tudo isso pertence ao passado e o que importa é o futuro. A primeira coisa a fazer é vender esta casa. Sugiro-te que deites tudo isto para o lixo… ou que o vendas a um ferro-velho. O que quer que decidires, quero que tudo desapareça antes que cheguem os primeiros clientes. Começando com isto.

Tirou o quadro da parede e atirou-o com desprezo para o tapete, em frente à lareira. Ouviu-se um sinistro estalido.

– A moldura – sussurrou Zoe, ajoelhando-se junto ao quadro. – Partiste-a – levantou o olhar para ela, abanando a cabeça. – Como pudeste?

A sua tia encolheu os ombros, na defensiva.

– Iria acabar por se partir de qualquer modo. A madeira era barata e de má qualidade.

– Não importa – disse Zoe, quase a soluçar. – Não tinhas… não tinhas direito de lhe tocar.

– Esta casa é minha. Farei o que quiser nela – disse agarrando na sua carteira. – Quero que leves tudo e que tapes os buracos nas paredes – acrescentou. – Voltarei no final da semana para me assegurar de que seguiste as minhas instruções… caso contrário, encarregar-me-ei do assunto.

Saiu da sala e, passados poucos segundos, Zoe ouviu a porta a bater.

Quase no mesmo instante a porta traseira abriu-se e Adele entrou e chamou-a.

– Jeff ficou a tomar conta dos miúdos – anunciou enquanto irrompia na sala. – Vi a senhora a sair e vim assegurar-me que estás bem.

– Sinto-me como se tivesse sido atropelada por um comboio – confessou Zoe acenando negativamente. – Deus, é a pessoa mais cruel que conheço. Não… não posso acreditar.

– Vou fazer um pouco de chá – ofereceu-se Adele, mas de repente parou. – O que aconteceu ao quadro?

– Atirou-o ao chão. Sei que não é o melhor que a minha mãe fez e que esteve guardado no sótão até nos mudarmos para aqui, mas… – a voz voltou a quebrar-se.

– Bom, sempre gostei dele – disse Adele. – É a Grécia, não é? A minha irmã consegue descontos especiais nas viagens e fomos a Creta no ano passado e a Corfu no anterior.

– Creio que será alguma paisagem grega – disse Zoe encolhendo os ombros. Levantou-se e, depois de agarrar com cuidado na moldura, colocou o quadro sobre o sofá e seguiu Adele para a cozinha. – Mas nunca lá estivemos. O meu pai não gostava do calor.

– Bom, talvez o tenha copiado de um postal que alguém lhe tenha enviado – sugeriu Adele enquanto enchia a chaleira com água.

– Talvez – disse Zoe com o sobrolho franzido – é uma das coisas que sempre lhe quis perguntar, mas nunca o fiz.

– E? Quando pensa desalojar-te? – perguntou a sua vizinha.

– Tenho de deixar a casa no final do mês. E falou a sério.

– Hum – Adele ficou pensativa durante uns segundos. – Achas que está louca?

– Não há nenhum certificado médico que o prove – disse Zoe ironicamente. – Mas comporta-se de um modo completamente irracional em tudo o que se refere à minha mãe.

– Bom, pode ser que não tenha culpa – disse Adele. – A minha avó lembra-se quando ela era criança e diz que era uma miúda adorável e que os pais adoravam. Mas então chegou a tua mãe, que se transformou rapidamente na favorita – encolheu os ombros. – Deve ser muito duro para uma menina ser relegada para segundo plano. Pode ser apenas um caso de ciúmes.

– Talvez tenhas razão, mas pressinto que há algo mais.

– Também não ajude nada seres a imagem viva da tua mãe – comentou Adele enquanto servia o chá nas chávenas. – Mesmo não tendo sido sempre inimigas, segundo conta a minha avó. Houve um tempo em que faziam muitas coisas juntas… inclusive ir de férias. Mas até então a tua tia comportava-se mais como se fosse a sua mãe do que como sua irmã – fez um trejeito com os lábios. – Talvez fosse essa a raiz do problema – fez outra pausa e bebeu um gole de chá. – O que vais fazer? Como pensas arranjar-te?

Zoe fez uma cara de desagrado.

– Terei de procurar um apartamento… sem ser mobilado.

– Ou alguma casita. Sentirás falta do jardim.

– Sim, de entre muitas outras coisas – obrigou-se a esboçar um sorriso. – Talvez a minha tia me esteja a fazer um favor. Talvez seja este o impulso de que preciso para começar uma nova vida. Poderia até ir-me já embora.

– Para qualquer lugar onde a malvada rainha não possa entrar com a sua própria chave – corroborou Adele. – Vou sentir a tua falta.

– Bom, não vou já – disse Zoe torcendo o nariz. – O meu contrato no departamento estipula que tenho de avisar com um mês de antecipação, mas posso ir já procurando e fazendo planos.

– Não acreditas que possa aparecer um príncipe num cavalo branco e salvar-te? – perguntou Adele, muito séria.