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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2009 Harlequin Books S.A. Todos os direitos reservados.

ASSUNTOS PENDENTES, N.º 24 - junho 2013

Título original: Seduced into a Paper Marriage

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

Publicado em português em 2013

 

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

® ™. Harlequin, logotipo Harlequin e Desejo são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-2985-5

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Capítulo Um

 

Outro grito estridente penetrou nos ouvidos de Devlin como a lâmina afiada de uma faca.

Aquela era a quarta secretária que recebia um ramo de flores ou uma caixa de bombons nessa manhã que ainda ia a meio.

– Deveriam abolir o dia de São Valentim – resmungou.

– Não tens remédio, chefe.

Devlin lançou um olhar rápido a Megan Carey. A assistente loira e cinquentona abanou a cabeça, dando-o por um caso perdido.

– Não tens nada que comentar – disse Devlin, sabendo que era melhor cortar Megan antes que lhe começasse a contar os seus problemas.

– Não disse nada.

– Seria a primeira vez – murmurou ele entre dentes.

O primogénito do clã Hudson ocupava uma posição de poder dentro da estirpe e um só olhar seu bastava para fulminar agentes e atores. Mas Megan era o seu braço direito e isso dava-lhe direito a dizer o que pensava.

– Mas... O dia de São Valentim é só amanhã.

– Meu Deus! – exclamou Devlin. – Resta-nos mais outro dia de suplício.

– Credo! Mas o Cupido nunca te fez uma visita?

– Não tens trabalho que fazer? – questionou ele, atravessando-a com um olhar reservado aos realizadores que excediam o orçamento.

– Acredita quando te digo que falar disto contigo é trabalho.

Devlin quase sorriu. Quase...

– Muito bem. Chuta de uma vez para poder continuar a trabalhar.

– Pronto, está bem.

Devlin olhou-a com ceticismo.

Megan Carey dizia sempre o que lhe passava pela cabeça e era inútil tentar detê-la.

– Como estava a dizer... – começou, deixando um monte de mensagens sobre a mesa de Dev e apoiando as mãos nas ancas. – Amanhã é dia de São Valentim. Um homem esperto aproveitaria a oportunidade para enviar umas flores à mulher ou uns bombons...

Dev apanhou as mensagens da mesa e pôs-se a examiná-las, ignorando-a.

Mas isso também não funcionaria... Ele sabia muito bem disso.

– Estou a pensar que... Qualquer esposa adoraria receber um presente do marido num dia tão especial como esse.

– A Valerie e eu estamos separados, Megan – recordou-lhe Dev num tom de tensão.

O último que queria era falar do seu casamento ou da sua mulher, sobretudo porque tinha sido ela que o tinha deixado.

Tinha-o deixado...

Uma labareda de raiva percorreu as entranhas de Dev.

Como se tinha atrevido a abandoná-lo sem mais nem menos?

«Porquê?», perguntou-se mais uma vez.

Sempre se tinham dado bem. Ela tinha as portas abertas em todas as lojas de luxo de Rodeo Drive e o tempo todo do mundo para ir às compras...

Além do mais, nem sequer tinha tido de se preocupar em discutir com serventes e governantas porque viviam numa suite própria dentro da mansão Hudson.

Só tinha tido de viver com ele; estar com ele.

Mas isso não fora suficiente e, em matéria de uns dias, a sua esposa tinha-se convertido numa mulher separada que vivia num apartamento de alto gabarito em Beverly Hills.

As reportagens sobre ela sucediam-se nas revistas; fotos de almoços em restaurantes de moda, instantâneas roubadas enquanto comprava nalguma loja...

A julgar pelas imagens, bem poderia andar com algum dos homens com quem aparecia nas fotografias.

Devlin apertou o punho ao redor do monte de mensagens até fazer rugir o papel.

O facto de alguém andar com a sua esposa... Isso era totalmente inaceitável.

– Pois é, chefe – disse Megan, num tom de aprovação. – Estão separados, não divorciados.

– Megan... Se tens apreço ao teu trabalho, deixa esse assunto de uma vez. Já!

Ela exalou um suspiro.

– Oh, por favor, não poderias gerir este sítio sem mim, sabemo-lo bem os dois.

Uma voz profunda soou desde a ombreira.

– Se ele te despedir, Megan, eu contrato-te pelo dobro do salário.

Dev olhou para o seu irmão Max.

– Que raio, eu pago-te para ficares com ela!

Megan franziu a testa.

– Deveria ir-me embora – disse. – Só para vos demonstrar como sou indispensável aqui. Mas não vou fazer isso, porque sou demasiado boa para estar de braços cruzados enquanto este lugar vai por água abaixo sem mexer uma palha para o impedir – levantou o queixo e saiu do escritório com um olhar acusador.

Dev recostou-se no encosto da sua fofa poltrona de couro.

– Por que não a despeço?

Max avançou para a mesa e sentou-se diante do seu irmão mais velho.

– Porque... – disse-lhe enquanto se punha à vontade – está cá há trinta anos, conhece-nos desde que éramos miúdos e provavelmente matar-nos-ia se tentássemos livrar-nos dela.

– Bem pensado – Dev abanou a cabeça e olhou em redor.

Chamativos cartazes dos filmes estavam afixados nas paredes e as janelas proporcionavam uma vista privilegiada dos Estúdios Hudson.

Aquele era o seu mundo. Era ali onde desempenhava o trabalho que o tornava feliz.

Mas então, por que não estava feliz?

– Que mosca a picou agora?

Dev olhou o seu irmão de soslaio.

– Diz que deveria mandar flores à Val por ocasião do São Valentim.

– Não é má ideia – disse o irmão, entrelaçando os dedos. – Acabo de enviar um ramo de rosas à Dana e também lhe mandei uma enorme caixa de bombons. Por que não ofereces alguma coisa à Val?

– Enlouqueceste? – Dev pôs-se de pé e começou a andar com passo ansioso.

– Queres comprar algo à tua noiva no dia de São Valentim? Muito bem. Mas a Val deixou-me, lembras-te?

– Não me estranha. Não achas?

– E isso o que raio significa?

– Bom, vejamos, Dev. Ela estava louca por ti e tu ignorava-la por completo.

Dev deteve-se em seco, deu meia volta e fulminou o irmão com o olhar.

– O meu casamento não é assunto teu.

Max encolheu os ombros.

– Só te digo que se fizesses tanta questão de recuperar a tua esposa como fazes de manter afastados os realizadores chatos, agora não estarias sozinho.

– Muito obrigado pelo conselho, Doutor Amor.

Max sorriu.

– Não o posso negar. Estou felicíssimo por ter encontrado a Dana. Após perder a Karen...

Dev fez uma careta. Não pretendia puxar um tema tão doloroso para o irmão como a morte da esposa.

– Olha, ainda bem que estás tão feliz. Mas isso não significa que estejamos todos à procura do que tu tens.

– Pois devias.

– Caramba, Max! Vieste dar-me um sermão sobre a minha vida amorosa? Estás armado em guru do amor ou coisa do género?

– Nem pensar! – exclamou Max, rindo. – Mas como a Megan puxou o assunto...

– Agradeço-to, mas não, obrigada. O amor é para os imbecis.

A família Hudson estava há mais de um ano enfiada nas turbulentas águas do amor, o casamento e os finais felizes, e Dev já começava a cansar-se do assunto.

O amor verdadeiro e incondicional só existia no grande ecrã. Tão só se tratava de um negócio com o qual a Hudson Pictures faturava milhões de dólares e fazia sonhar os espetadores.

Isso era algo que Dev sabia muito bem.

– Isso é o que dizem todos os homens que não têm uma mulher ao seu lado no dia de São Valentim – Max abanou a cabeça e sorriu.

Dev lançou um olhar feroz ao seu irmão Max, mas este não perdeu o sorriso.

– Não posso crer que tu entres neste jogo – disse Dev. – O dia de São Valentim? Dize-lo a sério? Todos os homens do mundo sabem que esse dia foi inventado pelos grandes armazéns e fabricantes de doces. É coisa de mulheres, maninho. Não de homens.

– Uns doces, umas quantas flores, uma boa garrafa de vinho... e podem passar um serão agradável. Mas, claro, tu não sabes nada dessas coisas. Oh, não. Tu és o tipo que deixa a mulher sair de casa no Natal. O Senhor Romântico.

– Sabes uma coisa? És muito menos divertido agora que estás apaixonado.

– É curioso – disse Max, pensativo. – O casamento não te mudou nada.

Dev não podia deixar de reconhecer que o irmão tinha razão. Casar-se com Valerie não tinha implicado nenhuma diferença na sua vida. Tinha-se unido a ela porque precisava de uma esposa e ela encaixava no perfil na perfeição, mas ele jamais se tinha declarado apaixonado nem nada do estilo.

Ela tinha contactos muito bons, com os meios, a imprensa, as empresas mais poderosas... Além do mais, era o bibelô perfeito para um homem como ele, ou tinha sido até ao momento da sua partida.

Mas ele não tinha saudades dela nem nada parecido. De facto, não se importava que tivesse saído do seu lado. Para ele, esse era uma questão resolvida.

– O mesmo digo eu. Sou exatamente a mesma pessoa que era quando me casei.

– E isso é uma pena – disse Max.

Franzindo a testa, Dev dirigiu-se às enormes vidraças e vislumbrou o exterior. Centenas de hectares estendiam-se perante os seus olhos e todos pertenciam à Hudson Pictures. Na parte de trás alçavam-se dezenas de sets de filmagem prontos para serem devolvidos à vida assim que chegassem as equipas de filmagem. Havia atores, câmaras, figurantes, ajudantes e eletricistas.

Uma pequena cidade... e ele era o presidente.

No entanto, em vez de admirar o fruto do seu império cinematográfico, Dev não podia deixar de imaginar o interior de um certo apartamento de Beverly Hills onde vivia a sua esposa.

Voltou-se para o seu irmão.

– E isso o que significa? – perguntou-lhe num tom grave e exigente.

– Significa, Dev, que poderias «acordar» – Max girou a cadeira para encarar o irmão. – A Val foi a tua grande oportunidade de teres uma vida a sério, mas tu deixaste-a partir sem mais nem menos.

Apertando os dentes, Dev voltou-se para a janela novamente.

Não queria falar do seu casamento, nem com Megan, nem com o seu irmão, nem com ninguém.

Ainda estava transtornado pelo ocorrido no Natal. Val tinha-se atrevido a deixá-lo na véspera de Natal e isso corroía-lhe as entranhas.

Jamais alguém ousara deixar Devlin Hudson e o reboliço mediático que se gerara em torno do falhanço do seu casamento tinha-lhe deixado um amargo sabor de boca que lhe crispava os nervos. Todos os jornais sensacionalistas e revistas de intrigas se tinham cansado de especular a respeito das razões pelas quais Val o tinha abandonado.

Os paparazzi andavam há semanas a persegui-los como cães de caça e, ainda que odiasse ter de o admitir, tinha caído no penoso costume de folhear as revistas à procura de notícias da mulher.

Voltou-se bruscamente, caminhou até à mesa e sentou-se de novo.

– Alguma vez te passou pela cabeça que fosse eu a querer a separação?

– Não – disse Max, recostando-se na cadeira e cruzando as pernas. – Olha, Dev, esse não é o teu estilo. Uma vez que fechas um acordo, segues em frente com ele, de modo que... Não. Não lhe poderias ter pedido que se fosse embora. O único que não entendo é por que a deixaste ir.

– Deixá-la? – Dev desatou a rir e cruzou os braços. – Tu é que as deixas fazer muitas coisas nas tuas relações... Não é assim? Acho que a Dana discreparia ligeiramente.

Pela primeira vez, Max franziu a testa.

– Muito bem, Dev. Talvez «deixar» não tenha sido a palavra mais adequada, mas... em que estavas a pensar quando a deixaste partir? Todos sabíamos que a Val estava louca por ti.

Dev sabia que aquilo era verdade.

As lembranças inundavam o seu pensamento como uma avalanche avassaladora.

Val sempre estivera ao seu lado, desejosa de reclamar a sua atenção ainda que fosse só por uns instantes. Os olhos brilhavam-lhe com inocência e os seus lábios sorriam com candidez.

Aceitara aquela relação com entusiasmo e alegria e ele tinha assumido que as coisas nunca poderiam mudar. Sempre soubera que ela o amava e essa era a razão pela qual tinha decidido casar com ela.

A estratégia correta...

Outra onda de lembranças invadiu a sua mente.

Em França, no lugar de filmagem de Honra, o último sucesso da produtora... Ela sorria... Na cama, sorrindo com tristeza após a desastrosa lua de mel.

«Bolas...», pensou Devlin, remexendo-se na poltrona.

Jamais lhe tinha passado pela cabeça que ela pudesse ser virgem, que estivesse nervosa, que cada nervo do seu corpo estivesse tão tenso como um arame....

Aquele tinha sido um dos momentos da sua vida de que se sentira menos orgulhoso. Desejava-a tanto que nem sequer se tinha incomodado com jogos preliminares e o que se supunha uma noite de paixão tinha-se convertido num pesadelo para ela; tanto assim, que nunca tinha voltado a atrever-se a tocá-la após aquilo.

As lembranças eram dolorosas e Dev não fora capaz de superar o arrependimento que o consumia.

Afugentando as amargas imagens da sua mente, olhou o irmão fixamente.

– Isto é assunto meu, de mais ninguém.

– É por causa da mãe e do pai, não é? É por causa deles.

Dev trespassou Max com o olhar.

Tão só umas semanas antes tinham sabido da infidelidade da mãe com o irmão do seu pai, o tio David; essa fora a gota que tinha enchido o copo para Devlin, que, por outro lado, jamais tinha tido muita fé no amor verdadeiro.

Uma união perfeita, vinte anos de casamento, quatro filhos... A sua mãe, Sabrina, tinha atirado tudo borda fora por causa de uma imperdoável traição da qual tinha nascido a sua irmã Isabella, que passara toda a vida a julgar-se filha do mesmo pai que todos eles.

– Isso não tem nada a ver – disse Dev.

– Como não? Tu foste o primeiro a misturar as coisas – Max suspirou. – Não queres falar disso com o nosso pai e mal diriges a palavra à mãe. Converteste-te num homem de gelo e fazes-nos a vida impossível a todos.

– Tenho muito trabalho – disse Dev, irritando-se mais e mais. – Talvez não tenhas dado por isso, mas temos uns quantos filmes em fase de pós-produção, para não falar dessa insignificante nomeação para os Prémios da Academia.

– Não se trata de trabalho, Dev. Trata-se de ti. Da tua vida. Só tinhas de tentar – Max enrugou o sobrolho. – A Val amava-te e tu estragaste tudo.

Uma pontada de remorso atravessou as entranhas de Dev.

Ele nunca olhava para trás. Os erros do passado não tinham solução e atormentar-se com eles não fazia sentido.

O passado já passara e não havia nada que ele pudesse fazer para o mudar.

Incomodado, Dev pôs-se de pé e dirigiu-se ao irmão.

– Eu não estraguei nada. E tu deverias preocupar-te com a tua própria vida amorosa em vez de te imiscuíres na minha relação com a minha esposa.

– Tu não tens uma esposa, Dev.

Era curioso. Ele mesmo tinha dito algo parecido a Megan uns minutos antes, mas ouvi-lo da boca do seu irmão Max bastou para o encolerizar.

Megan tinha razão. Tinha uma esposa, ainda que não estivesse ao seu lado nesse momento e, conquanto não pudesse resolver os erros do passado, podia bem fazer algo a respeito do futuro.

– Tenho pois – replicou Dev finalmente.

Já tinha tido bastante. Os repórteres acossavam-no com perguntas impertinentes a toda a hora e a sua família também não o deixava em paz, de modo que tinha chegado a hora de remediar todo aquele desastre.

Não tinha por que suportar tanto interrogatório porque não fora ele que tinha partido; também não fora ele que passava as horas a deambular sem rumo numa suite de quartos vazios.

Ela era culpada de tudo. Ela tinha-os feito passar por aquele suplício mediático e ele já se tinha cansado de batalhar com as consequências.

– Acho que a Val não tem as coisas muito claras – disse Max, levantando-se da cadeira.

– Tu deixa-me a mim tratar dela – Dev atravessou o aposento, abriu a porta do armário e tirou o casaco do fato.

– Aonde vais?

– Vou ter uma longa conversa com a minha esposa – disse Dev e, enquanto pensava nela, percebeu que tinha sentido muitas saudades. – É hora de relembrar à Val que ainda somos casados.

– Achas que vai ser assim tão fácil?

Dev olhou o seu irmão mais novo. Na sede da Hudson Pictures todos pareciam ter-se contagiado do perigoso vírus de São Valentim e, cada vez que se virava, deparava com uma caixa de bombons ou um ramo de flores. Mas em vez de sentir, os presentes alheios só lhe recordavam a sua imensa solidão. A solidão à qual se enfrentava a cada dia minava-lhe o bom humor e a felicidade dos seus irmãos apaixonados era uma inesgotável fonte de irritação.

Mas porquê?

Ele tinha estado sozinho a maior parte da vida. No entanto, dessa vez não fora uma escolha própria. Tinha-se visto obrigado a estar só por causa da decisão de Valerie.

Ela tinha feito o que lhe dera na real gana; tinha-o abandonado de forma repentina e assim tinha conseguido todo o espaço de que precisava, mas já era momento de regressar.

O seu pequeno arrebato de rebeldia tinha terminado.

Os votos matrimoniais eram irrevogáveis. Ele nunca incumpria os termos de um compromisso e esperava o mesmo dela.

– Fá-lo-ei, a bem ou a mal – disse finalmente com um sorriso cínico.

 

 

Valerie Shelton Hudson tinha o seu próprio apartamento com vista para as colinas e mansões de Beverly Hills. Era uma casa luxuosa com uma decoração extraordinária, mas estava tão vazia que Valerie sentia vontade de gritar para assim ouvir algum laivo de vida em redor.

Não obstante, rara vez ligava a televisão ou a rádio porque não queria ouvir nada da família Hudson nem dos Prémios da Academia.

Cada vez que ouvia o nome de Devlin, o seu coração oprimia-se e a solidão ameaçava engoli-la inteira, de modo que em vez de se atormentar a pensar no que tinha perdido, tentava passar os dias entretida, comendo com amigas, trabalhando nas organizações de caridade das quais era membro, indo às compras e esquivando os jornalistas que lhe armavam emboscadas cada vez que punha um pé fora de casa.

No entanto, as noites eram longas, silenciosas e tristes. Não tinha vontade de sair com ninguém, e também não se sentia com ânimo para ir aos lugares de moda com as amigas.

– Não é bem como queria viver – disse a si própria e saiu ao terraço privado que estava junto ao salão de casa.

Assim que chegou ao exterior, sentiu-se reconfortada pelo aroma das plantas. Tinha fetos em canteiros suspensos, flores que se desbordavam de jarrões de cerâmica, pequenos arbustos e inclusive um pequeno limoeiro a um canto.

No centro havia uma mesa de exterior com quatro cadeiras ao mais puro estilo dos terraços parisienses e a um canto tinha um baloiço com um toldo amarelo e vermelho.

Valerie aninhou-se nele e dedicou-se a escutar o longínquo murmúrio do tráfego que rugia quinze pisos mais abaixo.

Pelo menos, ainda lhe restava um pequeno refúgio de sossego.

Um lugar onde pensar...

Mas, por desgraça, cada vez que prestava atenção aos seus próprios pensamentos, Devlin voltava a roubar-lhe a paz que tanto lhe custara conseguir.

Fez um esforço para afugentar as lembranças; a sua expressão de perplexidade ao ouvi-la dizer que se ia embora... Ainda que não o quisesse admitir, sentia remorsos. Tinha preferido dar meia volta e fugir, em vez de lutar pelo seu casamento.

Mas ele também não lhe tinha facilitado as coisas.

«Que grande idiota», pensou, sem saber se se referia a Devlin ou a si mesma.

Agarrou numa almofada, abraçou-a com força e apoiou a cabeça sobre as costas do baloiço. Fechou os olhos e deixou que a imagem de Dev emergisse perante os seus olhos.

«Oxalá pudesse voltar atrás. Oxalá pudesse fazer as coisas de outra forma...», pensou.

– Se pudesse voltar atrás no tempo, não seria tão complacente – murmurou com os olhos ainda fechados. – Diria o que penso em todo o momento e deixaria de me esforçar para ser a perfeita mulher objeto, insignificante e submissa. Se tivesse outra oportunidade, seria eu própria...

A perfeita mulher objeto...

– Deus, não me estranha que ele se cansasse de mim. Não imagino nada mais constrangedor – exclamou e apertou a almofada com mais força. A frustração apoderava-se dela.

– Senhora Hudson?

Valerie suspirou ao ouvir a voz da governanta, mas manteve os olhos fechados.

– Sim, Teresa?

– Há alguém que a quer ver – disse a servente com uma voz sossegada e prudente. – Disse-lhe que não queria ser incomodada, mas...

– Não aceitei um «não» por resposta.

Valerie levantou a cabeça bruscamente e abriu os olhos inesperadamente.

A última pessoa do mundo que queria ver estava na ombreira.

O seu esposo.