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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2013 Lynne Graham

© 2016 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

O russo desumano, n.º 1683 - Julho 2016

Título original: A Rich Man’s Whim

Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-8601-8

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Epílogo

Se gostou deste livro…

Capítulo 1

 

Mikhail Kusnirovich, magnata russo do petróleo e homem de negócios temido, relaxou o corpo comprido na cadeira de couro e observou o melhor amigo, Luka Volkov, com estupefação.

– Fazer caminhada? A sério? É assim que queres passar o teu último fim de semana de solteiro?

– Bom, já houve a festa de despedida e deixa-me dizer que foi um pouco exagerada para mim – confessou Luka, cujo rosto bem-humorado se franziu de desagrado com a lembrança. De altura mediana e constituição robusta, Luka era professor universitário e autor muito admirado de um livro recente sobre física quântica.

– Podes culpar o teu futuro cunhado por isso – recordou-lhe Mikhail, seco, pensando nas dançarinas eróticas contratadas por Peter Gregory para a ocasião, tão distantes dos hábitos do seu amigo académico tímido que a chegada de um grupo de terroristas no meio da comemoração teria sido mais bem-vinda do que a delas.

– Peter teve a melhor das intenções – afirmou Luka, defendendo imediatamente o banqueiro odioso que era irmão da noiva.

– Mesmo que eu o tenha avisado de que não ias gostar daquilo?

– Ele tenta. Apenas não sabe como fazê-lo, é isso.

Mikhail não disse nada, porque pensava com tristeza em como Luka mudara desde que ficara noivo de Suzie Gregory. Apesar de os dois homens terem pouco em comum, exceto a ascendência russa, eram amigos desde que se tinham conhecido, na Universidade de Cambridge. Naqueles dias, Luka não teria qualquer problema em declarar que um homem rude, aborrecido e fanfarrão como Peter Gregory não merecia que se perdesse tempo com ele. Mas, agora, Luka não conseguia chamar as coisas pelo nome e prestava sempre uma atenção subserviente aos sentimentos da noiva. Como macho alfa até ao âmago que era, Mikhail cerrou os dentes com amargura. Nunca se casaria. Nunca mudaria a forma como agia para agradar a uma mulher. Pensar naquilo já era um desafio para alguém educado por um homem cujo ditado favorito era «Um frango não é um pássaro e uma mulher não é uma pessoa». O falecido Leonid Kusnirovich adorava repetir aquilo, para irritar a sensibilidade da ama inglesa refinada que contratara para cuidar do único filho. Sexista, brutal e sempre insensível, Leonid horrorizara-se com a forma delicada da ama ao cuidar dele, temendo que ela transformasse o filho num fraco. Mas, aos trinta anos, não havia nada que sugerisse fraqueza no metro e noventa bem estruturados de Mikhail, nem no seu desejo desmedido de sucesso ou no seu apetite para um amplo e variado cardápio de mulheres.

– Ias gostar de Lake District... é lindo – declarou Luka.

Mikhail fez um esforço imenso para não parecer tão desapontado como estava.

– Queres ir fazer caminhadas em Lake District? Supus que estavas a pensar na Sibéria...

– Não consigo tirar tantos dias de folga e não sei se estaria à altura do desafio – admitiu Luka, passando a mão pela barriga levemente saliente, com alguma culpa. – Não estou tão em forma como tu. A Inglaterra na primavera e algum exercício leve fazem mais o meu estilo. Mas será que podes dispensar a limusina, o estilo de vida luxuoso e o exército de assessores por alguns dias?

Mikhail não ia a lugar nenhum sem uma equipa de segurança. Franziu a testa, não devido à perspetiva de sobreviver sem luxo, mas devido ao trabalho de convencer a sua equipa de que não precisaria deles durante dois dias. Stas, o chefe da segurança, era altamente protetor e cuidava de Mikhail desde que ele era criança.

– Claro que posso – respondeu ele, com a sua firmeza inata. – E um pouco de privação só me faz bem.

– Também vais ter de deixar a tua coleção de telemóveis para trás – desafiou Luka.

– Mas porquê? – perguntou, desanimado.

– Não vais parar com os negócios se levares os telemóveis atrás – indicou Luka, consciente de que o amigo era viciado no trabalho. – Não me agrada a ideia de ficar à espera no topo de uma montanha qualquer, a congelar, enquanto avalias preços de ações. Sei como é.

– Se é isso que queres, vou pensar no assunto – concedeu Mikhail, de má vontade. Sabia que preferia cortar o braço direito a ausentar-se, ainda que temporariamente, do seu vasto império de negócios. De qualquer maneira, embora raramente tirasse folga do trabalho, a ideia de um desafio físico, mesmo pequeno, continha um apelo considerável para ele.

Bateram à porta e entrou uma mulher linda e alta, por volta dos vinte anos, com cabelos espessos de um loiro pálido. Ela fixou os olhos azuis brilhantes no patrão e disse, como que pedindo desculpas:

– O seu próximo compromisso espera, senhor.

– Obrigado, Lara. Aviso quando estiver pronto.

Até Luka acompanhou a assessora com os olhos quando ela deixou a sala.

– Essa jovem parece a Miss Mundo do ano passado. Estás...?

Mikhail achou graça e riu-se.

– No escritório, nunca.

– Mas ela é deslumbrante – comentou Luka.

– Será que o reinado de Suzie está com os dias contados?

– Claro que não. Posso olhar sem ficar tentado.

 

 

Kat retesou-se, apreensiva, quando ouviu o som da carrinha do correio. A irmã, Emmie, chegara a casa muito tarde na noite anterior. Não queria que fosse acordada pela campainha. Soltando rapidamente a colcha de retalhos que estava a fazer, fletiu os dedos enrijecidos e correu para a porta da frente. Sentiu um aperto no coração, com medo do que o carteiro poderia entregar. Era um medo que nunca a deixava, um medo que dominava todas as suas horas acordada. Mas Kat continuava a abrir a porta com um sorriso pronto nos lábios generosos e uma palavra amiga e, enquanto assinava para receber a entrega registada da carta com o texto horroroso a vermelho no envelope, ficou feliz por conseguir manter a mão firme.

Devagar, encaminhou-se para a parte de trás da casa da fazenda antiga que herdara do pai. O ambiente tranquilo de Birkside, assim como as suas paisagens belas, tinham-lhe parecido o paraíso após a existência desenraizada e insegura que tivera de suportar quando morava com a mãe, Odette. Como antiga supermodelo, Odette nunca se resignara a ter uma vida comum, mesmo depois de ter filhos. O pai de Kat casara-se com a mãe dela antes de se tornar famosa e a cada vez mais sofisticada Odette achava os homens ricos que conhecia nas suas viagens mais ao seu gosto do que o contabilista tranquilo com quem se casara muito jovem. Tinham passado mais de dez anos antes de Odette decidir casar-se uma segunda vez. Esse casamento gerara duas filhas gémeas, Sapphire e Emerald. O último grande caso de amor de Odette fora com um jogador de polo sul-americano, pai da irmã mais nova de Kat, Topaz. Quando Kat fizera vinte e três anos, a mãe dela entregara as três irmãs mais novas à assistência social, alegando que as gémeas, em particular, estavam fora de controlo e em situação de risco. Tocada pelo desespero das meninas, Kat assumira a responsabilidade de, sozinha, cuidar das meias-irmãs e instalara-se com elas na casa de Lake District.

Olhar para trás, para aqueles primeiros dias despreocupados, quando tinha tanta esperança no recomeço delas na vida, deixava um gosto amargo na boca de Kat. Uma sensação profunda de fracasso dominou-a. Estivera tão determinada a dar às meninas o lar seguro e o amor que ela própria nunca conhecera quando era criança... Rasgou o envelope e leu a carta. Mais outra para a gaveta que guardava as suas predecessoras igualmente assustadoras, refletiu, desolada. A construtora tomaria posse da casa e a agência enviaria os seus advogados para executar os bens. Estava tão afundada em dívidas que corria o risco de perder absolutamente tudo, até o teto sobre a sua cabeça. Não importava quantas horas por dia trabalhasse a fazer colchas de retalhos bordadas à mão, só um milagre conseguiria arrancá-la do buraco financeiro em que estava metida.

Pedira uma pequena fortuna emprestada para transformar a velha casa numa pousada modesta. Transformar os quartos em suítes e ampliar a cozinha e o espaço de refeições fora inevitável. O fluxo regular de hóspedes nos primeiros anos elevara as expectativas de Kat e ela, de maneira insensata, ampliara a sua dívida, determinada a fazer o melhor que pudesse para cada uma das irmãs. Gradualmente, no entanto, o fluxo constante de hóspedes reduzira-se a um fio e apercebera-se, demasiado tarde, de que o mercado mudara. Muitas pessoas preferiam hospedar-se num hotel a ficar numa pousada familiar. Kat, ainda assim, tivera a esperança de conseguir hóspedes entre as pessoas que faziam caminhadas na montanha, mas a maioria voltava para casa no final do dia ou dormia em tendas.

Uma loira alta e bonita com um roupão usado desceu as escadas, abafando um bocejo.

– Esse carteiro faz demasiado barulho – reclamou Emmie, irritada. – Suponho que já estejas acordada há séculos. Sempre acordaste cedo.

Kat resistiu ao impulso de comentar que, por muito tempo, não tivera escolha, com três irmãs para encaminhar para a escola todas as manhãs e hóspedes para alimentar, mas estava grata por Emmie parecer mais inclinada para a conversa do que na noite anterior, quando chegara de táxi e declarara que estava demasiado cansada para fazer alguma coisa, para além de ir diretamente para a cama. Kat passara a noite a arder de curiosidade insatisfeita, porque, há seis meses, Emmie fora morar com a mãe delas, Odette, em Londres, determinada a conhecer melhor aquela mulher que mal via desde os doze anos. Kat escolhera não interferir. Emmie tinha, afinal de contas, vinte e três anos.

– Queres tomar o pequeno-almoço? – perguntou Kat.

– Não estou com fome – replicou Emmie, sentando-se à mesa da cozinha com um suspiro profundo. – Mas não recusaria uma chávena de chá.

– Senti a tua falta – declarou Kat, enquanto ligava a chaleira elétrica.

Emmie sorriu.

– Senti a tua falta, mas não senti a falta do meu trabalho sem futuro na biblioteca ou da vida social lamentável daqui. Queria que me desculpasses por não ter ligado mais vezes.

– Não faz mal – os olhos verdes de Kat brilharam, cheios de carinho. Mais de dez anos mais velha do que a irmã, Kat era uma mulher alta e esguia, de pele impecável, olhos claros e lábios carnudos. – Achei que estivesses ocupada e rezei para que estivesses a divertir-te.

Sem aviso prévio, Emmie fez uma careta.

– Morar com Odette foi um pesadelo – admitiu, sem rodeios.

– Lamento muito – observou Kat, delicadamente, enquanto servia o chá.

– Sabias que seria assim, não é? – retorquiu Emmie, pegando na caneca. – Porque não me avisaste?

– Achei que, ao ficar mais velha, a mãe poderia ter-se tornado mais suave e não queria influenciar-te antes de a conheceres melhor – explicou Kat, desgostosa. – Afinal, podia ter-te tratado de um modo diferente.

Emmie falou de vários incidentes que demonstravam o egoísmo colossal por parte da mãe delas e Kat emitiu ruídos apaziguadores de compreensão.

– Bom, estou em casa para ficar, desta vez – assegurou a meia-irmã, direta. – E preciso de te avisar... Estou grávida...

– Grávida? – Kat engasgou-se, chocada com aquele comunicado inesperado. – Por favor, diz-me que estás a brincar.

– Estou grávida – repetiu Emmie, observando o rosto assustado da irmã. – Lamento muito, mas é isso e não há muito que eu possa fazer agora...

– E quanto ao pai? – pressionou Kat, tensa.

O rosto de Emmie ficou sombrio, como se Kat tivesse apagado a luz.

– Acabou e não quero falar disso.

Kat lutou para conter as inúmeras perguntas que lhe chegavam aos lábios, com receio de dizer algo que pudesse ofendê-la. Na verdade, sempre fora mais como uma mãe do que como uma irmã para as irmãs e, depois daquele comunicado, já começara a pensar com tristeza no que fizera de errado.

– Está bem, posso aceitar isso, por enquanto...

– Mas continuo a querer o bebé – proclamou Emmie, com uma pontada de desafio.

Ainda chocada, Kat sentou-se à frente dela.

– Já pensaste em como vais conseguir fazê-lo?

– Claro que já. Vou morar aqui contigo e ajudar-te com o negócio da família – indicou Emmie, calmamente.

– Neste momento, não existe um negócio da família com que possas ajudar-me – admitiu Kat, envergonhada, sabendo que tinha de lhe contar a verdade, já que Emmie estava a basear os seus planos futuros no facto de a pousada estar a funcionar bem. – Não tive nenhum hóspede no último mês...

– Esta época do ano é má para os negócios, na Páscoa tudo vai melhorar – decidiu Emmy, alegremente.

– Duvido. Também estou endividada até ao pescoço – confessou Kat, com relutância.

A irmã observou-a, atónita.

– Desde quando?

– Há muito tempo. Quer dizer, deves ter notado, antes de te ires embora, que os negócios não estavam exatamente a florescer – replicou Kat.

– Claro, pediste imenso dinheiro emprestado para reformar a casa quando viemos para cá – recordou-se Emmie.

Kat desejou poder contar toda a verdade à irmã, mas não queria que se sentisse culpada. Claramente, Emmie já tinha preocupações suficientes com o final de um relacionamento que a deixara grávida. Kat questionava-se se algumas pessoas já teriam nascido com azar, pois Emmie sofrera vários revezes na vida, para além do desafio de viver à sombra da irmã idêntica, que se tornara uma supermodelo de fama internacional. Saffy também tivera problemas, mas não ao mesmo nível que Emmie. Além disso, Saffy, a gémea dois minutos mais velha, tinha uma veia independente e forte e um sangue frio que faltava à vulnerável Emmie. Já prejudicada pela indiferença da mãe, Emmie magoara-se num acidente de viação quando tinha doze anos e as suas pernas tinham ficado muito feridas. Conseguir fazer com que a irmã se levantasse e saísse da cadeira de rodas fora o primeiro passo para a sua recuperação, mas, infelizmente, não pudera ser completa. O acidente deixara Emmie com uma perna mais pequena do que a outra, o que fazia com que coxeasse, para além de ter ficado com cicatrizes evidentes. Isso tornava mais doloroso para Emmie morar com a irmã gémea, fisicamente perfeita. O sofrimento de Emmie e as comparações feitas por pessoas insensíveis tinham causado fricções entre as duas meninas e, mesmo agora, anos depois, as gémeas quase não se falavam.

Apesar de tudo, felizmente, Emmie já não coxeava. Numa tentativa desesperada de ajudar a irmã mais nova e deprimida a recuperar a autoestima e o interesse na vida, Kat pedira um empréstimo pessoal alto para pagar uma operação experimental de alongamento da perna, que só estava disponível no estrangeiro. A cirurgia fora incrivelmente bem-sucedida, mas essa dívida em particular pesara. Ela nunca depositaria essa carga de culpa nos ombros frágeis de Emmie. Mesmo sabendo das dificuldades financeiras que causaria à família, Kat sabia que faria tudo outra vez, sem pestanejar. Emmie precisara de ajuda e Kat teria movido montanhas para a ajudar.

– Já sei – declarou Emmie, de repente. – Podes vender o terreno para pagar as contas em atraso. Estou surpreendida por não teres pensado nisso.

Só que Kat vendera o terreno depois de cerca de dois anos instalada na região, pensando que um montante razoável em dinheiro lhe seria mais útil, naquele momento, do que a renda modesta que recebia por arrendar aquela porção de terra que herdara com a casa. Criar três meninas mostrara-se, infelizmente, muito mais custoso do que Kat imaginara inicialmente e defrontara-se com todo o tipo de despesas inesperadas ao longo dos anos, enquanto Odette, a quem cabia pagar os custos do sustento das filhas, começara desde cedo a esquecer-se dos pagamentos e acabara por os cancelar de vez.

– O terreno foi vendido há muito tempo – admitiu Kat, com relutância, querendo ser tão honesta sobre os factos quanto possível. – E posso também perder a casa...

– Deus do Céu, em que andaste a gastar o dinheiro? – perguntou Emmie, com um olhar de espantado e reprovador.

Kat não disse nada. Nunca tivera muito dinheiro para começar e, quando tivera algum, havia sempre alguma necessidade premente em que precisava de ser gasto. A campainha da porta da frente tocou e Kat ergueu-se rapidamente da cadeira, ansiosa por escapar ao interrogatório sem contar mentiras. Naturalmente, Emmie quereria saber a história toda antes de se comprometer a voltar a morar com a irmã. Mas ainda era cedo para aquela decisão, recordou Kat, animando-se. Emmie estava no começo da gravidez e centenas de coisas poderiam acontecer para mudar o futuro, até mesmo o reaparecimento do pai da criança.

Roger Packham, um viúvo quarentão que era o vizinho mais próximo de Kat, cumprimentou-a com um característico aceno de cabeça.

– Vou trazer lenha para a lareira amanhã... Deixo-a no mesmo lugar de sempre?

– Bom... sim. Muito obrigada – agradeceu Kat, desconfortável com a generosidade dele. Abraçou o próprio corpo para se proteger do vento frio que penetrava a camisola de lã como uma faca. – Bolas, está muito frio hoje, Roger!

– O vento vem do norte – explicou. – Vai nevar muito hoje à noite. Espero que estejas com a despensa cheia.

– Espero que estejas errado... sobre a neve – comentou Kat, tremendo novamente. – Deixa-me pagar pela lenha. Não me sinto à vontade a aceitá-la como presente.

– Não há necessidade de dinheiro entre vizinhos – indicou, num tom levemente ofendido. – Uma mulher como tu a morar sozinha aqui em cima... Fico feliz por ajudar quando posso.

Kat agradeceu novamente e voltou para dentro. Teve um vislumbre de si própria no espelho da entrada e viu uma mulher de meia-idade, cansada, que teria de cortar os cabelos compridos em breve. Mas o que faria? Eram demasiados escadeados, não ficariam bem num coque. Imaginara o olhar de admiração nos olhos de Roger? De qualquer maneira, aquilo deixava-a envergonhada. Tinha trinta e cinco anos e pensara muitas vezes que nascera para ser solteirona. Passara muito tempo desde que um homem olhara para ela com algum interesse. Não havia muitos da idade certa na área e, de qualquer forma, Kat só saía de casa para comprar comida ou entregar as colchas de retalhos na loja de presentes que as encomendava.