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Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 2006 Michelle Celmer

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Consulta a domicílio, n.º 715 - Novembro 2014

Título original: House Calls

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

Publicado em português em 2006

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Harlequin Desejo e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5886-2

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

www.mtcolor.es

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo Um

Capítulo Dois

Capítulo Três

Capítulo Quatro

Capítulo Cinco

Capítulo Seis

Capítulo Sete

Capítulo Oito

Capítulo Nove

Capítulo Dez

Capítulo Onze

Capítulo Doze

Capítulo Treze

Capítulo Catorze

Volta

Capítulo Um

 

Pete Morgan empurrou a cadeira de rodas até à janela da biblioteca, mas não chegou a tempo de ver o ocupante da carrinha escura que acabava de estacionar frente à casa.

O que é que interessava? Só tinha ido à janela pela força do costume. Ultimamente não tinha muitas visitas. Nem as queria.

As flores e os cartões tinham deixado de chegar quando saiu do hospital e, depois de suportar os olhares de compaixão dos seus amigos e colegas, tinha começado a rejeitar as visitas. Custou durante um par de semanas mas, por fim, as pessoas tinham começado a entendê-lo. Agora passava o dia só na sua zona privada da casa e gostava dessa solidão.

Pete olhou pela janela, tentando lembrar quando foi a última vez que tinha estado fora. O sol da tarde parecia agradável, convidativo e uma suave brisa movimentava os galhos das árvores que rodeavam o imóvel…

Às vezes pensava em sair. Tinha saudades de sentir o sol na cara enquanto cruzava o lago fazendo esqui aquático, a pressão nos músculos enquanto escalava uma montanha, o vento no cabelo enquanto cruzava o parque nacional de Stony Creek de bicicleta. Esses eram os melhores dias, os dias nos quais se sentia verdadeiramente livre.

Mas esses dias tinham terminado para sempre.

Pete começou a lembrar tudo o que tinha perdido, tudo o que não poderia recuperar jamais. Quando ouviu que se abria a porta poderiam ter passado cinco minutos ou uma hora.

– Peter? – ouviu uma voz depois dele.

Não se incomodou em girar a cabeça. Sabia o que veria… um gesto de compaixão. E não estava de humor.

– Que quer, mãe?

– O teu pai e eu queremos falar contigo.

Olhando acima do ombro, viu os seus pais sob o umbral da porta. Charles Morgan era um homem alto, poderoso. Houve um tempo no qual Pete respeitava o seu pai, inclusive o temia. Já não.

– Vocês terão que ligar à minha secretária para marcar uma entrevista. Esta tarde estou ocupado.

A expressão irritada do seu pai encheu-o de satisfação.

– Não acho graça nenhuma aos teus sarcasmos – espetou-lhe, com a sua voz de trovão. – Pede desculpa à tua mãe agora mesmo.

– E se não o fizera? – Pete girou a cadeira de rodas para eles. – Vais castigar-me sem sair? Vais-me tirar o carro? Pois vou dar-te uma notícia: não penso ir a nenhum lugar.

– Estou farto da tua atitude – replicou Charles Morgan, uma veia na sua testa a ponto de explodir. – Levas semanas auto-compadecendo-te quando deverias estar a fazer reabilitação.

– O que pensas não me interessa nada. Se insistes em que fique aqui, terás que aprender a viver comigo – Pete atirou a revista médica que tinha estado a ler sobre a mesa e voltou-se para a janela. – Talvez eu goste de estar assim.

– Tolices – disse a sua mãe, a sua voz mais suave mas com o mesmo tom de reprovação. – Tu és médico, filho. Não ficarás satisfeito até teres recuperado totalmente.

– Já pensaste que talvez não possa recuperar-me nunca? Esqueceram-se que estive a ponto de perder a perna?

– Os Morgan são lutadores – lembrou o seu pai, como se a sua palavra fosse a lei. – Tu aprenderás a caminhar outra vez. Começando hoje mesmo.

Pete viu pelo cantinho do olho que a sua mãe se aproximava e ia tocar no seu ombro, mas deteve-se no último momento. Os Morgan não se tocavam. O seu pai não era partidário de demonstrações de afecto. E, evidentemente, não tinha mudado nos anos que ele tinha estado fora.

– Peter… – começou a dizer a sua mãe.

– Estamos a perder o tempo – interrompeu-a Charles Morgan. – Não quer escutar-nos.

Ela vacilou, por assim dizer a desafiar o seu marido, como se fosse dizer o que pensava pela primeira vez na sua vida. Mas deixou cair a mão e deu um passo atrás.

– E se não voltasse a caminhar? – perguntou Pete. – Então o que é que faziam?

– E se deixasses de portar-te como um menino e pelo menos tentasses?

O comentário não o tinha feito nem o seu pai nem a sua mãe e Pete virou-se, surpreendido.

– Como?

Ela estava de costas, uma mulher baixinha e com boas curvas, encaixada numas calças de ganga justas e uma camisa vermelha. Estava a ver os livros nas estantes.

– Nunca tinha visto tantos livros – murmurou. E depois riu, para si mesma. – Bom, vi muitos livros nas bibliotecas públicas e nas livrarias, mas não numa casa particular. Leste-os todos?

Tirou um exemplar da estante, O Hobbit. Era um dos seus livros favoritos. Tinha-o lido tantas vezes que poderia recitar alguns fragmentos de cor.

– Adoro o cheiro dos livros antigos… – murmurou, aproximando-o da cara. – Lembra-me dos fins-de-semana que passava em casa do meu avô. Ele também tinha muitos livros, mas não tantos.

Pete aproximou-se, atónito. Havia algo nela que lhe era muito familiar, mesmo que ainda não tivesse visto a sua cara.

– Pode-se saber quem és tu?

Ela deixou tranquilamente o livro na estante.

– Considerando o chilique que acabas de ter só porque os teus pais querem que faças reabilitação, poderíamos dizer que sou o teu pior pesadelo.

Quando se voltou, Pete teve que recordar a si mesmo que devia respirar. O seu pior pesadelo? Era mais uma fantasia sexual. Os seus suaves caracóis escuros emoldurando um encantador rosto ovalado…

Encantador rosto ovalado? De onde tinha saído isso? Ele não era o tipo de homem que usa a expressão «encantador rosto ovalado». Mesmo que devia admitir que a descrição era perfeita. Além disso, havia um brilho de inteligência nos seus olhos. Eram redondos, escuros e brilhavam com uma confiança que ele costumava ver quando se olhava ao espelho. E a sua cara continuava a ser-lhe muito familiar.

– Conhecemo-nos?

– Sabes que pagar o aborrecimento com os teus pais não é muito construtivo. Deverias canalizar essas emoções para a tua recuperação.

– Que és, psiquiatra?

– Não, não – riu ela. – Vou ajudar-te a usar o teu novo joelho. Sou Maggie Holm, a tua fisioterapeuta.

Maggie seguiu o seu novo paciente, assombrada pela velocidade à qual tinha empreendido a fuga. Movimentava-se muito rápido para ir numa cadeira de rodas.

No entanto, tinha tido que dissimular a surpresa ao ver as mudanças que se tinham operado nele desde que o viu na cafeteria do hospital, uns meses antes. Então só se tinham cumprimentado brevemente mas, enquanto comiam, Maggie olhava para ele pelo cantinho do olho, assombrada pelo seu escultural físico… que devia ter trabalhado durante anos no ginásio. Era, em todos os sentidos, um pedaço de homem.

E simpático. Não se mostrava arrogante como a maioria dos médicos. Pete Morgan era simpático e agradável, estava sempre a sorrir.

Mas agora não sorria. Naquele momento, se o tivesse visto na rua, não o teria reconhecido. Como não a tinha reconhecido ele, claro. Quatro meses antes os homens não olhavam para ela sequer porque pesava mais quinze quilos, de modo que os dois tinham mudado consideravelmente.

E as mudanças que se tinham operado nele eram para pior.

O Pete Morgan condenado a uma cadeira de rodas vestia um casaco enrugado e o seu cabelo, moreno e um pouco ondulado nas pontas, necessitava da ajuda de um pente. Ausente estavam o sorriso e o ar de segurança. Tinha trinta e um anos, mas com a testa enrugada parecia mais velho.

Surpreendia a perda de massa muscular nos quatro meses que tinham passado desde o tiroteio. Mesmo que continuasse a ter um físico importante, tinha perdido muito peso, sobretudo no tronco. Isso tinha que ter sido um golpe para ele. Maggie pensou no que a inactividade lhe teria feito às suas pernas e o trabalho que tinha por diante. E o pior, que dada a sua atitude, devia encontrar um método adequado para o motivar.

– Continuas aí? – perguntou ele, olhando acima do ombro.

– Lamento, querias que me fosse embora? – sorriu ela. – Pensei que me ias mostrar a casa.

Pete voltou-se.

– Olha, suponho que é o teu trabalho, mas estás a perder o tempo comigo.

– Não estou de acordo.

– Ah, não? – ele levantou uma sobrancelha e, por um segundo, pôde ver o antigo Pete, o que se escondia atrás do sarcasmo. Enfim, pelo menos continuava por aí, em alguma parte. Agora só tinha que dar-lhe a volta à sua raiva e usá-la de forma construtiva.

Maggie riu para si mesma. A verdade era que soava como um psiquiatra.

– Pois não. E vou fazer com que levantes o traseiro dessa cadeira.

– E se eu não quisesse caminhar?

– Isso nunca me deteve.

Pete empurrou a cadeira até ao final do corredor.

– Vi o teu relatório médico. Tiveram que substituir-te o joelho por uma prótese. Perdeste massa óssea e tens a perna ligeiramente mais curta do que a outra, além de um dano permanente no nervo. Mas tenho visto coisas piores. Atendi mulheres de setenta anos com os dois joelhos operados… e fazem todos os exercícios. Não me digas que tens menos energia do que uma senhora de setenta anos.

Pete ergueu ligeiramente as costas.

– Isto não tem nada a ver com a energia. Mas nunca poderei voltar a usar a perna como antes.

– Não, isso é verdade.

Ele voltou a cabeça, surpreendido.

– O quê? Achavas que ia mentir-te? – sorriu Maggie. – Achavas que ia dizer que vais recuperar-te totalmente? Sou uma boa fisioterapeuta, mas não tanto. Além disso, a tua atitude é desastrosa.

Pete entrou num quarto e Maggie seguiu-o rapidamente para que não lhe desse com a porta no nariz. Porque tinha certeza que isso era o que pensava fazer.

Depois olhou à volta. Estava numa espécie de suite e só o quarto de estar era maior que todo o seu apartamento. Inclusive maior que toda a primeira casa dos seus pais. O quarto estava decorado de forma extravagante, em tons verdes e malvas, com ostentosos tapetes persas sobre os polidos soalhos de madeira e pesadas cortinas tapando janelas arqueadas que chegavam até ao tecto. Era um pouquinho extravagante e pensou que Pete não dormia ali. Ela tinha imaginado um lugar menos… enfim, feio.

O quarto era ainda pior, com as mesmas cortinas tapando as janelas e dando uma impressão de escuridão, de túmulo. Os móveis pareciam antigos, com a excepção da cama de hospital, que naquele lugar não colava nada.

– Posso? – perguntou, assinalando o quarto.

– Não poderia deter-te mesmo que quisesse – suspirou Pete.

– Poderias tentar. Mas sou rápida.

Ele encolheu os ombros.

– Não sei que esperas encontrar aí.

Ela também não. Mas queria ver.

À primeira vista, não havia nenhum objecto pessoal, nada que desse nenhuma pista sobre o seu ocupante. De facto, parecia um quarto de hotel. Pete não mostrava interesse em seguir adiante com a sua vida e vivia num lugar que parecia um alojamento temporário…

Depois olhou para a casa de banho. O lavatório e a sanita tinham sido colocados à altura da cadeira de rodas e no duche havia um assento. Era uma suite perfeita para um paraplégico ou um homem com as duas pernas amputadas.

Pete não era nenhuma das duas coisas.

Tentando fazer-lhe a vida mais fácil, os seus pais não lhe davam nenhum incentivo para lutar.

Infelizmente, isso era algo habitual. Os pais, por muito boas intenções que tivessem, costumavam cometer um erro.

Os seus, por exemplo, com o seu problema de peso. Os olhares de desaprovação quando comia mais pão do que devia. Ou quando lhe punham metade da comida que à sua irmã e se perguntavam depois por que se levantava durante a noite para empanturrar-se no frigorífico. A maçã que encontrava na sacola do almoço quando as demais crianças tinham uma sanduíche de manteiga de amendoim, batatas fritas e uma barrita de chocolate.

E o pior, o mais humilhante de tudo era ter de ir no Verão a um acampamento para crianças gordas. Maggie odiava o Verão porque sabia que a enviariam àquele lugar horroroso. E depois tinha que suportar a horrível experiência de voltar a casa no final do Verão e ver a desilusão no rosto dos seus pais porque não tinha voltado magra e bonita como a sua irmã Molly.

– Outros quinhentos dólares atirados ao lixo! – costumava exclamar a sua mãe diante de qualquer pessoa. – Margaret Jane, juro que vais matar-me de desgosto.

Maggie sentiu um familiar acesso de ressentimento, mas tentou tirá-lo da cabeça. Não era o momento de lembrar da sua desgraçada infância.

Quando saiu do quarto, Pete estava sentado frente à janela com uma expressão profunda. Os seus pais tinham razão sobre uma coisa: não seria feliz até que voltasse a andar. Tinha que aceitar as suas imperfeições, a sua incapacidade. Mas para um homem como Pete, um homem que já tinha personificado a perfeição física, isso tinha que ser muito difícil.

Maggie olhou para o jardim, bem cuidado. Um caminho de pedras abria passagem entre as flores e os galhos das árvores movimentavam-se suavemente com a brisa do Verão entre hectares e hectares de fresca relva verde.

– É lindíssimo.

– Sim, suponho que sim.

– Vais ao jardim alguma vez?

– Não, o caminho é muito estreito para a cadeira.

– Vi uma piscina. Nadar seria bom para a tua perna.

Ele levantou o olhar.

– Viste suficiente?

– De quê?

– Disto – respondeu Pete, assinalando ao redor. – Da minha vida. Se terminaste, podes ir-te embora. Não quero ser mal-educado, mas é hora da sesta.

– Não queres ser grosseiro? Não é isso exactamente o que queres? – perguntou ela, encolhendo os ombros. – Pois não te incomodes. Eu tenho a pele muito dura.

Pete fulminou-a com o olhar.

– Vai-te embora daqui.

Maggie cruzou os braços.

– Muito bem, cowboy. Obriga-me.